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Cravo Neto funde pele e película
Imagens do artista, morto neste ano, dão caráter tátil às poses de seus retratados em mostra no Instituto Tomie Ohtake
Exposição que começa hoje reúne cerca de 50 fotos e algumas esculturas feitas pelo artista baiano e outros nomes que o influenciaram
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
São duas as peles de Mario
Cravo Neto, a do corpo e a película fotográfica. Parece haver
uma linha direta entre os poros
de seus retratados e o grão do
filme, juntos numa superfície
plástica única, que encerra a
carnalidade de dois mundos.
Vida e forma se fundem nas
mais de 50 fotografias do artista agora no Instituto Tomie
Ohtake. Morto há três meses,
Cravo Neto é revisto pelo prisma de seu rigor formal e na volúpia sacralizada de suas imagens -obra que se farta com
pouco e estoura à flor da pele.
"Dá para falar em carnalidade da fotografia", resume o curador Paulo Herkenhoff. "É a
imagem que nos aproxima a
ponto de querer tocar essa pele,
a textura do corpo, da película."
É quase tátil, por exemplo, o
tratamento que dá ao corpo nas
imagens da série "Laroyé", ou
nas fotografias "Kadi com Véu"
e "Ícaro Caído", dos anos 90.
E prevalece esse olhar intimista. Baiano, do Carnaval e do
candomblé, Cravo Neto tem
nesta mostra um recorte de seu
mundo privado em vez da exaltação pública. Resquícios do estúdio vazam para o museu.
Estão lá a instalação que o artista fez com a lona que usava
de fundo infinito, móveis e objetos da casa onde viveu, recortes de seu universo particular.
É desse mundo restrito que
extrai todo um teatro de formas. São narrativas parcas, de
poder concentrado em contornos de expressão máxima. Primeiro a pele, depois os olhos e,
por fim, o sangue que jorra.
Um tríptico conduz o olhar
das sobras de uma ave sacrificada, penas e sangue, ao traço rubro num banco de madeira e a
um Cristo flagelado, a coluna
exposta, em vermelho vivo.
Também está nos olhos esse
sangue. Postos lado a lado, dois
olhares de esguelha, um colorido e outro preto e branco, ilustram a relação do fotógrafo
com a carne do corpo e a carne
da imagem. Na fotografia em
cor, os vasos sanguíneos no globo ocular dão vida humana à
obra. No retrato em preto e
branco, o mesmo olhar parece
pétreo, como se fosse escultura.
Cravo Neto transita entre os
dois. Um ninho de pássaro feito
de fibras de vidro, encontrado
pelos filhos do artista em Salvador, está exposto junto de sua
fotografia. À meia luz, os fios da
imagem parecem metálicos, no
meio de um fundo preto.
É a economia de meios, isso
de se fartar com pouco, que o
artista toma do minimalismo,
aquilo de estourar à flor da pele
em simplicidade absoluta. Suas
imagens em preto e branco, como "Belisco", de 1985, chegam
a parecer um denso monocromo de tão preto: homem preto,
pneu preto, fundo preto.
Mas ao contrário dos tons sólidos na paleta minimalista, o
branco de Robert Ryman ou o
preto de Maliévitch, Cravo Neto põe o homem, exu, no meio
da cor, a tal volúpia sacralizada.
MARIO CRAVO NETO
Quando: abertura hoje, às 20h; ter. a
dom., das 11h às 20h; até 17/1
Onde: Tomie Ohtake (av. Brig. Faria
Lima, 201, tel. 2245-1900)
Quanto: grátis
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