São Paulo, quinta-feira, 05 de novembro de 2009

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Cravo Neto funde pele e película

Imagens do artista, morto neste ano, dão caráter tátil às poses de seus retratados em mostra no Instituto Tomie Ohtake

Exposição que começa hoje reúne cerca de 50 fotos e algumas esculturas feitas pelo artista baiano e outros nomes que o influenciaram

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

São duas as peles de Mario Cravo Neto, a do corpo e a película fotográfica. Parece haver uma linha direta entre os poros de seus retratados e o grão do filme, juntos numa superfície plástica única, que encerra a carnalidade de dois mundos.
Vida e forma se fundem nas mais de 50 fotografias do artista agora no Instituto Tomie Ohtake. Morto há três meses, Cravo Neto é revisto pelo prisma de seu rigor formal e na volúpia sacralizada de suas imagens -obra que se farta com pouco e estoura à flor da pele. "Dá para falar em carnalidade da fotografia", resume o curador Paulo Herkenhoff. "É a imagem que nos aproxima a ponto de querer tocar essa pele, a textura do corpo, da película."
É quase tátil, por exemplo, o tratamento que dá ao corpo nas imagens da série "Laroyé", ou nas fotografias "Kadi com Véu" e "Ícaro Caído", dos anos 90.
E prevalece esse olhar intimista. Baiano, do Carnaval e do candomblé, Cravo Neto tem nesta mostra um recorte de seu mundo privado em vez da exaltação pública. Resquícios do estúdio vazam para o museu.
Estão lá a instalação que o artista fez com a lona que usava de fundo infinito, móveis e objetos da casa onde viveu, recortes de seu universo particular.
É desse mundo restrito que extrai todo um teatro de formas. São narrativas parcas, de poder concentrado em contornos de expressão máxima. Primeiro a pele, depois os olhos e, por fim, o sangue que jorra.
Um tríptico conduz o olhar das sobras de uma ave sacrificada, penas e sangue, ao traço rubro num banco de madeira e a um Cristo flagelado, a coluna exposta, em vermelho vivo.
Também está nos olhos esse sangue. Postos lado a lado, dois olhares de esguelha, um colorido e outro preto e branco, ilustram a relação do fotógrafo com a carne do corpo e a carne da imagem. Na fotografia em cor, os vasos sanguíneos no globo ocular dão vida humana à obra. No retrato em preto e branco, o mesmo olhar parece pétreo, como se fosse escultura.
Cravo Neto transita entre os dois. Um ninho de pássaro feito de fibras de vidro, encontrado pelos filhos do artista em Salvador, está exposto junto de sua fotografia. À meia luz, os fios da imagem parecem metálicos, no meio de um fundo preto.
É a economia de meios, isso de se fartar com pouco, que o artista toma do minimalismo, aquilo de estourar à flor da pele em simplicidade absoluta. Suas imagens em preto e branco, como "Belisco", de 1985, chegam a parecer um denso monocromo de tão preto: homem preto, pneu preto, fundo preto.
Mas ao contrário dos tons sólidos na paleta minimalista, o branco de Robert Ryman ou o preto de Maliévitch, Cravo Neto põe o homem, exu, no meio da cor, a tal volúpia sacralizada.


MARIO CRAVO NETO

Quando: abertura hoje, às 20h; ter. a dom., das 11h às 20h; até 17/1
Onde: Tomie Ohtake (av. Brig. Faria Lima, 201, tel. 2245-1900)
Quanto: grátis


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