São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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"RES IPSA"

As imagens ainda em busca de si

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Autoconhecimento, crença, sacrifício, superação, transcendência: são temas do israelense Rami Levi em "Res Ipsa" (aquilo que fala por si mesmo), coreografia para o Balé da Cidade de São Paulo que estreou quinta-feira no Municipal.
Traduzidos para a dança, esses temas estimulam a exploração de possibilidades de movimento nos diversos apoios do corpo. Mas a busca segue sendo uma busca: não se livra de estereótipos e imagens de efeito, empregados sem qualquer auto-ironia.
A coreografia é uma colagem de gestos e estilos, de um "arabesque" a uma ponte de ginástica e às artes marciais. Falta concentração nos movimentos? Talvez. E a dança, que procura usar o espaço como território de intercâmbio, verdadeiro campo de respostas para as inquietações vividas a cada instante, acaba se perdendo nas repetições e sobreposições.
O espetáculo começa na penumbra, com os corpos oscilando, pendulares. Lentamente buscam equilíbrio e vão descobrindo pequenos movimentos que quase não saem do lugar, mas aos poucos mudam o desenho da cena. A série de solos masculinos a seguir toma os outros corpos no chão como cenário -e também uma fila de bailarinas, que saem no fundo do palco em perfil egípcio(!). Num outro momento, o palco é riscado por saltos, os corpos em fila cruzando o espaço, para compor desenhos repetidos de sobreposição.
A música vai de trechos de músicas anônimas do século 11 passando pelo barroco de Bach e o rococó de Saint Germain, até o contemporâneo Arvo Pärt. Pode tanto estar diretamente ligada aos movimentos como ser papel de parede. Exemplo: a "redenção", ao final do balé: homens e mulheres caminham lentamente, em desequilíbrio (como no início), em direção a um fundo infinito, esfumaçado; em meio a eles, um "corpo quebrado" se move sobre os joelhos, simulando um paraplégico que consegue façanhas e se junta aos outros no fim.
A dança aqui se transforma em símbolo de modo incômodo. A "libertação interior" não se desfaz nunca das aspas, mas quer passar por emoção e verdade. Existe um nome para isso -quando o sentido de uma imagem fica muito em excesso da própria imagem-: o nome é "kitsch".
O Balé da Cidade -que dançou também duas coreografias de Jorge Garcia, "Interlúdio" e "Divinéia", já apresentadas em 2001- tem buscado diversidade de autores e estilos, privilegiando os brasileiros mas dando espaço a nomes de fora. Em tese, a proposta é muito boa. Na prática, nem sempre dá certo. A urgência e quantidade de montagens talvez sejam parte do problema. Cabe a eles descobrirem uma solução.


Res Ipsa  
Com: Balé da Cidade de São Paulo
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš, tel. 222-8698)
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 11h e às 17h
Quanto: de R$ 5 a R$ 10




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