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"RES IPSA"
As imagens ainda em busca de si
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Autoconhecimento,
crença, sacrifício, superação,
transcendência: são temas do israelense Rami Levi em "Res Ipsa"
(aquilo que fala por si mesmo),
coreografia para o Balé da Cidade
de São Paulo que estreou quinta-feira no Municipal.
Traduzidos para a dança, esses
temas estimulam a exploração de
possibilidades de movimento nos
diversos apoios do corpo. Mas a
busca segue sendo uma busca:
não se livra de estereótipos e imagens de efeito, empregados sem
qualquer auto-ironia.
A coreografia é uma colagem de
gestos e estilos, de um "arabesque" a uma ponte de ginástica e às
artes marciais. Falta concentração
nos movimentos? Talvez. E a dança, que procura usar o espaço como território de intercâmbio, verdadeiro campo de respostas para
as inquietações vividas a cada instante, acaba se perdendo nas repetições e sobreposições.
O espetáculo começa na penumbra, com os corpos oscilando, pendulares. Lentamente buscam equilíbrio e vão descobrindo
pequenos movimentos que quase
não saem do lugar, mas aos poucos mudam o desenho da cena. A
série de solos masculinos a seguir
toma os outros corpos no chão
como cenário -e também uma
fila de bailarinas, que saem no
fundo do palco em perfil egípcio(!). Num outro momento, o
palco é riscado por saltos, os corpos em fila cruzando o espaço,
para compor desenhos repetidos
de sobreposição.
A música vai de trechos de músicas anônimas do século 11 passando pelo barroco de Bach e o
rococó de Saint Germain, até o
contemporâneo Arvo Pärt. Pode
tanto estar diretamente ligada aos
movimentos como ser papel de
parede. Exemplo: a "redenção",
ao final do balé: homens e mulheres caminham lentamente, em desequilíbrio (como no início), em
direção a um fundo infinito, esfumaçado; em meio a eles, um "corpo quebrado" se move sobre os
joelhos, simulando um paraplégico que consegue façanhas e se
junta aos outros no fim.
A dança aqui se transforma em
símbolo de modo incômodo. A
"libertação interior" não se desfaz
nunca das aspas, mas quer passar
por emoção e verdade. Existe um
nome para isso -quando o sentido de uma imagem fica muito em
excesso da própria imagem-: o
nome é "kitsch".
O Balé da Cidade -que dançou
também duas coreografias de Jorge Garcia, "Interlúdio" e "Divinéia", já apresentadas em 2001-
tem buscado diversidade de autores e estilos, privilegiando os brasileiros mas dando espaço a nomes de fora. Em tese, a proposta é
muito boa. Na prática, nem sempre dá certo. A urgência e quantidade de montagens talvez sejam
parte do problema. Cabe a eles
descobrirem uma solução.
Res Ipsa
Com: Balé da Cidade de São Paulo
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, tel. 222-8698)
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 11h
e às 17h
Quanto: de R$ 5 a R$ 10
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