São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"BLUE ROOM"

Peça está no Tuca

Espetáculo de José Possi Neto fica entre a dor e o anestésico

Divulgação
Cena do espetáculo "Blue Room", com direção de José Possi Neto, que está em cartaz no Tuca


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Blue Room" é um bom teatro comercial: não há demérito nisso. É despretensioso, bem produzido e divertido. Despretensioso porque a adaptação que o dramaturgista inglês David Hare faz de "La Ronde", de Schnitzler, não tenta reacender o escândalo que o alemão produziu em 1900.
A revelação da promiscuidade não incomoda mais: a denúncia passa a ser não do pecado mas do tédio, da banalização do sexo, de como as fantasias se comercializaram e podem ser vestidas por qualquer um.
Talvez por isso, o que o texto propõe é um jogo vertiginoso de troca de papéis, para uma atriz (prostituta, empregada, dona-de-casa, modelo teen, atriz famosa) e um ator (taxista, garotão, político, dramaturgo, fã) cada qual traindo o outro com o "próximo", na quadrilha de que nos fala Drummond. A auto ironia prevalece, e o desafio para o encenador é mais de forma do que de conteúdo.
José Possi Neto exibe aqui a sua competência de sempre enquanto diretor de espetáculo. O cenário minimalista de Jean Pierre Tortil, quarto estilizado com um telão de fundo mutante que faz variar a "atmosfera" de cada contexto, acompanha o camaleonismo exigido para os atores e os assessora eficazmente com uma esteira que introduz abajures e adereços como se fossem personagens entrando em cena.
Murilo Rosa cumpre com competência marcas difíceis, tem desenvoltura física, mas mantém uma entonação um pouco estereotipada, o que a troca de personagens só salienta. Christiane Torloni sabe melhor interiorizar suas marcas, faz adolescentes com muita delicadeza e ironia, e poderia ter mais espaço para tornar o espetáculo mais profundo. Mas a direção optou pela eficácia no texto daquilo que o crítico Charles Spencer chamou de "viagra teatral", o que é um pouco pejorativo para a platéia.
É como se a solidão urbana, tangenciada delicadamente pelas entrelinhas do texto, e a dimensão pirandeliana das personagens, que se transformam segundo o olhar do outro, passassem prudentemente ao segundo plano, cedendo a ribalta à beleza plástica de pernas e peitorais.
Em nome da eficácia do "viagra teatral", para satisfazer o voyeurismo de um suposto público de televisão, "Blue Room" abre mão de um aprofundamento dos temas, coisa que poderia fazer apenas assumindo um maior risco, trocando marcas eficazes pelo incentivo à interiorização por parte de Rosa, solicitando outros registros além do sensual a Christiane Torloni.
O reparo que se pode fazer a "Blue Room" não é o de ter optado pelo comercial, mas sim de ter se limitado a isso, como se houvesse uma intransponível barreira ente um teatro de resultados e um teatro de investigação.
Com um pouco menos de prudência essa artificial barreira entre os gêneros teria caído, e "Blue Room" seria um marco na temporada.


Blue Room    
Direção: José Possi Neto
Texto: David Hare
Com: Christiane Torloni e Murilo Rosa
Onde: Tuca (r. Monte Alegre, 1.024, Perdizes, tel. 3670-8453)
Quanto: de R$ 20 a R$ 30




Texto Anterior: Artes Plásticas: Exposição no CCBB destaca os "brasileiros populares"
Próximo Texto: "Res Ipsa": As imagens ainda em busca de si
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.