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Crítica/erudito
Afinação das solistas comprometeu Verdi
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A conjunção dos astros a
23º sul e 46º oeste às
vezes tem dessas coisas.
Em 2003, foram duas montagens sucessivas do "Édipo Rei"
modernista de Stravinski. Agora é o "Réquiem" de Verdi
(1813-1901) que se ouve pela segunda vez em três meses na Sala São Paulo.
Depois da versão da Osesp,
abrindo a temporada, também
a Filarmônica de Câmara de
Freiburgo veio prestar respeito
aos mortos, no tom entre operístico e litúrgico da obra-prima italiana.
Criada em 1995, a Filarmônica de Câmara de Freiburgo reúne alunos (e alguns ex-alunos)
de várias faculdades de música.
É uma ótima orquestra escolar
alemã -definição em que cada
adjetivo (ótima, escolar, alemã)
serve para calibrar os outros.
Para uma ótima orquestra alemã, ela soa muitas vezes escolar; para uma orquestra escolar,
ela é ótima, até para os padrões
alemães.
Também o regente Andreas
Winnen entra nessa categoria
de um ótimo músico que ainda
não chegou à primeira divisão.
Regeu o "Réquiem" inteiro de
cor, manteve coesos orquestra
e coro -as forças combinadas
do Coro Giuseppe Verdi (reunião de cantores de vários coros de Freiburgo) e do Coro
Barroco da Bahia- e esculpiu
os ângulos da música com precisão. Não é o mesmo que inspiração, mas já é grande parte do
caminho andado.
Não foi culpa sua se os trompetes entraram calamitosamente no "Tuba Mirum", nem
se os fagotes não deram conta
de afinar os arpejos do "Quid
sunt miser", nem se os violoncelos, de sua parte, sofreram
nos arpejos do "Offertorium".
Também não podia fazer nada
contra os problemas de afinação que borraram vários momentos das solistas, a soprano
inglesa Julia Thornton e a
meio-soprano alemã Sibylle
Kamphues. Os homens se deram melhor, tanto o tenor polonês Tadeusz Szlenkier como,
especialmente, o baixo russo
Pjotr Sorokin.
Com tudo isso, o empenho do
conjunto valeu; e a arte de Verdi é tão impressionante que
nem as bolhas no pé da música
conseguiram atrapalhar o resultado. Mesmo na fuga final,
quando Winnen puxou um
pouco o freio, isso era justificada cautela, nas circunstâncias,
e ajudou a sustentar a comoção.
A sábia platéia primeiro aplaudiu sem entusiasmo; depois,
ovacionou os estudantes, mantendo a boa tradição de homenagear os vivos.
FILARMÔNICA DE CÂMARA DE FREIBURGO
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