São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2006

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Crítica/erudito

Afinação das solistas comprometeu Verdi

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A conjunção dos astros a 23º sul e 46º oeste às vezes tem dessas coisas. Em 2003, foram duas montagens sucessivas do "Édipo Rei" modernista de Stravinski. Agora é o "Réquiem" de Verdi (1813-1901) que se ouve pela segunda vez em três meses na Sala São Paulo. Depois da versão da Osesp, abrindo a temporada, também a Filarmônica de Câmara de Freiburgo veio prestar respeito aos mortos, no tom entre operístico e litúrgico da obra-prima italiana. Criada em 1995, a Filarmônica de Câmara de Freiburgo reúne alunos (e alguns ex-alunos) de várias faculdades de música. É uma ótima orquestra escolar alemã -definição em que cada adjetivo (ótima, escolar, alemã) serve para calibrar os outros. Para uma ótima orquestra alemã, ela soa muitas vezes escolar; para uma orquestra escolar, ela é ótima, até para os padrões alemães. Também o regente Andreas Winnen entra nessa categoria de um ótimo músico que ainda não chegou à primeira divisão. Regeu o "Réquiem" inteiro de cor, manteve coesos orquestra e coro -as forças combinadas do Coro Giuseppe Verdi (reunião de cantores de vários coros de Freiburgo) e do Coro Barroco da Bahia- e esculpiu os ângulos da música com precisão. Não é o mesmo que inspiração, mas já é grande parte do caminho andado. Não foi culpa sua se os trompetes entraram calamitosamente no "Tuba Mirum", nem se os fagotes não deram conta de afinar os arpejos do "Quid sunt miser", nem se os violoncelos, de sua parte, sofreram nos arpejos do "Offertorium". Também não podia fazer nada contra os problemas de afinação que borraram vários momentos das solistas, a soprano inglesa Julia Thornton e a meio-soprano alemã Sibylle Kamphues. Os homens se deram melhor, tanto o tenor polonês Tadeusz Szlenkier como, especialmente, o baixo russo Pjotr Sorokin. Com tudo isso, o empenho do conjunto valeu; e a arte de Verdi é tão impressionante que nem as bolhas no pé da música conseguiram atrapalhar o resultado. Mesmo na fuga final, quando Winnen puxou um pouco o freio, isso era justificada cautela, nas circunstâncias, e ajudou a sustentar a comoção. A sábia platéia primeiro aplaudiu sem entusiasmo; depois, ovacionou os estudantes, mantendo a boa tradição de homenagear os vivos.


FILARMÔNICA DE CÂMARA DE FREIBURGO   

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