São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002

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COMENTÁRIO

Falta de memória e decadência

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Com o desaparecimento do Carlino, seus velhos companheiros ficam um pouco mais solitários. O Capuano, cantina típica do Bixiga, aberta em 1907. O Moraes, com seu filé ao alho, na luta desde 1914. A Castelões, com suas pizzas que movem montanhas dos Jardins à zona leste, fundada em 1924. E outros bravos resistentes, dos poucos restaurantes que sobraram das safras anteriores a 1950, como Freddy (1935), Gigetto (1938), Roperto (1942), Bolinha (1946), Cantina 1020 (1948), Brasserie Victoria (1947), Windhuk (1948), Jardim de Napoli (1949)...
Como deve ser duro para os sobreviventes ver a partida de seus contemporâneos, e de sua solidão observar o nascimento dos restaurantes yuppies em bairros mais reluzentes de brilhantina. Só lhes restando o consolo de que mesmo estes jovens também morrem, e como moscas: boa parte deles são meras aventuras financeiras, têm vida curta.
Por que mesmo no Rio de Janeiro, onde a história é mais presente, é preciso uma lupa para encontrar vestígios das casas mencionadas por Machado de Assis (enquanto que em Paris o mesmo Lapérouse do apaixonado Swann, na obra de Proust, ainda pode ser apreciado)? Por que em São Paulo não podemos nos refestelar nos mesmos locais que os modernistas de 22 (como fazem os franceses no mesmo Café Procope dos revolucionários de 1789, ou os belgas nas mesmas tavernas de Lenin e Freud)?
Porque somos desmemoriados e suscetíveis à moda fácil (nós, consumidores, e mesmo os donos de restaurantes, a quem frequentemente falta habilidade para realçar, frente a novas clientelas, suas velhas qualidades). Além do mais, somos vítimas de especuladores imobiliários e da cobiça de governantes que desfiguram a cidade: se a Brasserie Lipp de Paris continua na moda, deve-se em muito ao fato de que o bulevar Saint-Germain, onde ela fica, continua também na moda; já aqui, ao elegante largo do Arouche bastou uma geração para enfrentar a sombra da decadência.



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Carlino, 121, pendura as panelas em SP

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