UOL


São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"BORANDÁ"

Espetáculo baseado em texto de Luís Alberto de Abreu está em cartaz no teatro Paulo Eiró com entrada gratuita

Fraternal Cia. amadurece ouvindo a platéia

Arnaldo Pereira/Divulgação
Atores da Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes em ensaio do espetáculo teatral "Borandá"


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando Aiman Hammoud, logo no início do espetáculo, cumprimenta a platéia -com uma lotação acima da média para um frio domingo-, são várias as vozes que dão boa-noite de volta. É um claro sinal que a Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes vem cumprindo o seu papel, atraindo um público atento e fiel.
Talvez ele já preveja o que será o espetáculo: uma saga picaresca, releitura popular brasileira de um tema conhecido, apoiado no texto engraçado e poético de Luís Alberto de Abreu. Nos últimos anos, a fórmula vem funcionando bem.
Desta vez, porém, antes de falar, o grupo se propôs primeiro a ouvir (os migrantes do bairro, base da platéia), para estabelecer seu roteiro. Os depoimentos são tão intensos -como se denota pelos trechos publicados no programa- que modificaram inteiramente o tom do espetáculo.
Dá para pressentir o que ele seria originalmente na parte central da peça: a saga de Galatéa, grotesca, tateando metáforas enquanto paga um tributo excessivo a Macunaíma -tanto o de Mário de Andrade quanto ao de Antunes Filho-, soa inacabada, confusa, e acaba se garantindo mais na vitalidade dos atores Edgar Campos e Luti Angelelli.
Entende-se, portanto, a ambição que Mirtes Nogueira expressa em cena de fazer uma personagem mais densa. Sua Maria Déia, cuja história é contada na última parte da peça, transcende a piada e dá dignidade a um depoimento urgente em um Brasil de mulheres espancadas. Apesar de ceder às vezes ao tom de melodrama, comove com simplicidade.
Por seu lado, a história de Tião, que abre o espetáculo, mesmo sem nenhum grande drama para narrar, desarma pela singeleza. Dá para sentir que a platéia, que não raro interfere em voz alta, reconhece na simpatia de Ali Saleh seu legítimo representante.
O espetáculo, assim, consegue o mais importante, e o que acaba parecendo deslocado são tanto as intervenções "didáticas" (o narrador Hammoud interrompe a cena com um sistemático "é suficiente") quanto as concessões a um suposto "gosto popular".
O diretor Ednaldo Freire, no texto do programa, manifesta sua ambição de não querer expor motivos sociológicos, mas o de "conhecer um tanto de porção humana" que se esconde atrás das frias estatísticas. No entanto, em vários momentos, é clara a explicitação racional e política.
Essa abordagem é necessária quando há uma denúncia a ser feita a uma audiência que ignora os fatos apresentados, mas empalidece quando há uma experiência humana compartilhada. A essa altura, é a escuta da platéia que ensina ao artista o que se deve falar. Inverte-se o jogo portanto: em transição, a Fraternal Cia. amadurece graças à grande qualidade de seu público.


Borandá
   
De: Luís Alberto de Abreu
Direção: Ednaldo Freire
Com: Mirtes Nogueira, Aiman Hammoud, Ali Saleh
Onde: teatro Paulo Eiró (av. Adolfo Pinheiro, 765, Santo Amaro, tel. 5548-0449)
Quando: de qui. a dom., 21h; até 26/10
Quanto: entrada franca (retirar ingressos com uma hora de antecedência)



Texto Anterior: Artes plásticas: CCSP abre inscrições para o Programa de Exposições
Próximo Texto: Erudito: Ibirapuera recebe Gomes e Puccini
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.