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MOSTRA DE DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA
Cultura de massa invade textos
SILVIA FERNANDES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não é difícil encontrar semelhanças entre "Sem Memória" e "Deve Ser do Caralho o Carnaval em Bonifácio", textos de Pedro Vicente e Mário Bortolotto,
respectivamente, parte da Mostra
de Dramaturgia Contemporânea.
Em certo sentido, ambos são
herdeiros dos romances urbanos
de Rubem Fonseca e dos flagrantes dramáticos de Plínio Marcos.
A diferença é que os personagens
são de hoje, a maioria de uma geração entre 20 e 30 anos, o que
mantém a violência temática, mas
muda o modo e o tom das peças.
Talvez a invasão maciça da cultura de massa que os formatou seja responsável por um protesto
não assumido contra a estereotipia da TV e da publicidade, mais
evidente no caso de Vicente, que
escreve sobre sujeitos adoecidos
pela mídia como quem já está
"completamente infectado".
Mostrando a informação invasiva
pela ótica de quem é fruto da invasão, cria uma dramaturgia que
recusa o aprofundamento.
"Sem Memória" sofre interferência de uma teatralidade estranha, que não distingue real de figurado e mistura cinismo e delírio na personagem do publicitário
Ulysses, que planeja um programa de rádio sobre literatura num
coquetel de marketing com a namorada arrivista.
No texto de Bortolotto, o desejo
de outro espaço reaparece e, como todo o resto, é literal, explicitado no diálogo grosso que disfarça o sonho de felicidade projetado
na França, que apenas Lu, a irmã,
consegue alcançar. Fauzi Arap assume o naturalismo cru do texto
para descarná-lo aos poucos, até
chegar à delicada solidão final.
Luah Guimaraez e Elcio Nogueira, solidários, contracenam
com um Renato Borghi minimalista, frágil, maltrapilho nas placas
de publicidade decorando o corpo, compondo um haicai contemporâneo da exclusão social.
Completando a mostra, "Só, Ifigênia, sem Teu Pai", de Sergio Salvia Coelho, repete o território movediço das outras peças, mas se
distancia delas pelo cultivo da palavra. O recurso ao rádio prioriza
a fala poética, retórica, e mantém
o deslocamento temporal em narrativa densa e pouca dramatização, entrelaçando os motivos míticos à sociedade do espetáculo,
numa espécie de roteiro cênico
que discute a angústia da influência, a existência vicária dos famosos e a confusão de intimidade e
publicidade. Essa linhagem temática, que Márcio Aurélio conhece
bem, lhe permite tratar o palco
como uma tela de Edward Hoper,
em que os atores se inscrevem como afrescos de um tempo indefinido. Valendo-se da familiaridade com Luah Guimaraez e Débora
Duboc, com quem criou o grupo
Razões Inversas, investe no retardamento do tempo, atuado por
Duboc numa Ifigênia distendida
no sacrifício do herói e seu clichê.
Silvia Fernandes é professora de história do teatro da ECA-USP
Mostra de Dramaturgia Contemporânea
Quando: hoje, às 20h, e amanhã, às 19h
Onde: Teatro Popular do Sesi (av.
Paulista, 1.313, tel. 3284-3639)
Quanto: entrada franca
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