São Paulo, sábado, 08 de junho de 2002

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"INSÔNIA"

Peça com Le Plat du Jour e Alexandre Roit adota estética trash

Espetáculo é clássico do nonsense e do pop

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O "teatro besteirol" designa montagens de humor não muito exigentes, que buscam antes de tudo a cumplicidade com a platéia por debochar de temas cotidianos, contando com atores que não hesitam em assumir a paródia até o mais infame cabotinismo. Se a isso se incorporar temas escatológicos e uma estética voluntariamente de mau-gosto e mal-acabada, ganha o mérito duvidoso de ser também "trash", cult justamente por ser ruim.
Seria correto se referir a "Insônia" como sendo um besteirol trash? Sem dúvida, a montagem do Plat du Jour não tem pretensão intelectual, no mínimo. O cenário voluntariamente tosco de Luciana Bueno acumula em pouco espaço passagens secretas por falsas paredes, além de um improvável relógio de luz/churrasqueira.
O texto de Alexandra Golik, por sua vez, é uma frenética sucessão de chavões de melodrama, encorpados com referências a títulos de filmes B que dão nome às personagens (Baby Jane, o Bebê de Rosemary) e uma trama que remete à clonagem com o mesmo embasamento científico do desenho das Meninas Superpoderosas. Petúnia e Begônia são duas meninas esquisitas que vivem sozinhas em uma casa em ruínas, abandonadas pelos pais que mal conhecem e que talvez tenham matado. Alimentam-se dos raros visitantes.
Qual será o mistério de sua existência? A resposta não tem a menor importância, mas a ágil sucessão de cenas mantém o suspense das revelações, por mais improváveis que sejam, não raro com repetições de marcas de um rigor beckettiano. Se as atrizes às vezes não resistem em comentar com caretas as piores piadas (a referência ao "laboratório do Franjinha" por exemplo), não deixam nunca o deboche virar desleixe.
É essa toda a diferença com o besteirol. Se o público é induzido a uma regressão a um humor impúbere, nunca o é por condescendência. A sólida formação de Carla Candiotto e Alexandra Golik, que formaram o Plat du Jour na França, estudando as últimas técnicas do teatro físico, impõe respeito pela precisão de marcas e o ritmo impecável das piadas.
Não há espaço para cacos auto-indulgentes, como é praxe no besteirol. É só ver os primeiros minutos da peça, quase um teatro-dança, quando as duas gêmeas acompanham com os olhos as goteiras no casarão. Carla, com seus enormes olhos azuis, chega a ser expressionista, e a mobilidade facial de Alexandra às vezes assusta.
A essa dupla afinada se junta agora a versatilidade de Alexandre Roit, que sai dos Parlapatões com o mesmo apetite com que George Harrison saiu dos Beatles, para usar uma referência pop. Faz sete personagens sucessivos, cada qual com sua característica de postura e voz, e assim remete a montagem a um antecedente mais ilustre: estamos no universo nonsense de "Irma Vap", com a mesma vitalidade técnica.
"Insônia" é uma paródia descompromissada, contando com a cumplicidade da platéia para as piadas mais infames, mas nunca com sua condescendência. Um clássico pop.


Insônia     
Texto: Alexandra Golik
Direção e interpretação: grupo Le Plat du Jour e Alexandre Roit
Onde: TBC - sala Arte (r. Major Diogo, 315, tel. 3115-4622).
Quando: sex. e sáb.: 21h30; dom.: 20h30. Até 14/7.
Quanto: R$ 15




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