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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

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"CIDADE FANTASMA"

Como diretor, Matt Dillon areja filme com exotismo realista

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Um furacão varre uma cidade e deixa os sobreviventes na dependência de uma companhia de seguros. Para quem imagina que é esta a "cidade fantasma" a que se refere o título do filme de estréia do ator Matt Dillon na direção, é bom não se apressar.
O próprio Dillon aparece a seguir no papel do executivo da tal companhia de seguros. Uma companhia, ela sim, fantasma. Para a polícia, Jimmy, o personagem de Dillon, dá uma de peixe pequeno. A polícia entra na onda e logo vemos Jimmy fugindo com seu valioso passaporte, na primeira oportunidade, para o Sudeste Asiático. Jimmy está atrás do chefe, Marvin (James Caan), algo mais do que um mentor para ele.
Então chegamos à verdadeira "cidade fantasma", Phnom Penh, ou o que restou da capital cambojana depois da intervenção americana na Guerra do Vietnã. Uma cidade entregue a criminosos de toda espécie: traficantes de mulheres, drogas, órgãos, relíquias, turistas sexuais.
Uma série de falsários que encontra seu elo na perpétua traição: esse legado da tradição noir, o co-roteirista Barry Gifford joga, junto com o romance de Graham Greene ("O Americano Tranquilo") no liquidificador do "pulp".
Do (sub)romanesco ao (sub)tarantinesco: Dillon tem tudo a perder com a operação, mas ao menos soube se deter na paisagem, arejando com um pouco de real exotismo a já desgastada fórmula em que acaba recaindo.
O maior mérito do debutante Dillon é a opção (realista) pelos cenários naturais e a mistura bem-sucedida de atores nativos não profissionais e atores consagrados-mas-perfeitamente-à-vontade (Gérard Depardieu e James Caan). Um dos problemas é que, enquanto os atores profissionais têm tempo para construir a ambiguidade do personagem, os não profissionais ficam restritos a velhos estereótipos que Hollywood costuma reservar ao Terceiro Mundo, como os do "bom servo" e do "general corrupto e sanguinário"; personagens nativos ou são perversos ou benevolentes.
Essa visão apressada faz parte da concepção meio turística do filme. Com agilidade, a câmera do fotógrafo Jim Denault flana de um ambiente a outro embriagada pelas aparências mais exóticas: sejam as da beleza modiglianesca da atriz Natasha McElhone, sejam as dos rostos libidinosos das prostitutas cambojanas.
Nem os dramas existenciais e edipianos de Jimmy, tão mole de coração quanto de miolo, nem a trama tarantinesca em que é enredado interessam tanto quanto a deambulação em si. O prazer que nos resta é o de sermos, como Jimmy, uma espécie de flâneur.


Cidade Fantasma
City of Ghosts
  
Produção: EUA, 2002
Direção: Matt Dillon
Com: Matt Dillon, James Caan
Quando: em cartaz nos cines Anália Franco, Frei Caneca, Internacional Guarulhos, Jardim Sul, SP Market



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