São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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CRÍTICA
Ironia e humor são constantes em Mats Ek

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Coreografado em 1987, "O Lago dos Cisnes", de Mats Ek, traz mulheres -e homens!- de tutus e pés no chão... e carecas. Esse lago de outros, bem outros cisnes, estréia hoje em São Paulo.
Presença e ausência são os grandes temas dessa coreografia, que conserva traços da obra original (a figura do príncipe que se recusa a se casar e a da mãe dominadora, sem falar nos cisnes), transpostos para uma outra circunstância. Mas presença e ausência são sempre figuras da ironia, que tem função central na obra do coreógrafo.
Odette, a rainha dos cisnes, e Odile, o cisne negro, continuam sinalizando a dualidade feminina, só que agora traduzem mulheres fortes, em contraponto ao fraco e sonhador príncipe. Julie Guibert faz desses cisnes criaturas ao mesmo tempo suaves e do maior vigor e virtuosismo.
No estilo próprio desenvolvido por Mats Ek, imagens e situações dramáticas contrastam com episódios humorísticos. As cenas burlescas de "O Lago..." são muito acentuadas pelos movimentos dos três bobos da corte, que aparecem em cena sempre que a situação dramática atinge o clímax. A comédia está do lado do que, na psicanálise, se conhece como "princípio da realidade", e as palhaçadas dos bobos podem ser vistas, dessa perspectiva, como um corretivo ao confuso mundo de sonhos em que vive o príncipe. Em alguns momentos a correção vai mais longe: chega a lembrar cenas de um desenho animado.
Na busca de uma linguagem mais ampla, Ek utiliza passos que partem do balé clássico, mas incorporam as influências mais variadas. Movimentos da parte superior do corpo são combinados com energia a gestos rítmicos da parte inferior. O resultado é uma coreografia atlética, com amplitude nos braços e grande torção e inclinação dos troncos.
Na busca do gesto essencial, Ek vale-se de todas as possibilidades, que incluem teatralização dos movimentos e vocalizações dos bailarinos. Também a música original de Tchaikovsky foi cortada e editada de maneira particular. A trilha soma músicas folclóricas israelenses, na segunda parte do balé, na qual se narra a viagem do príncipe pelo mundo.
É nesse contexto incomum que se dá o grande duo dos judeus, esplendidamente bem dançado por Rafi Sadi e Fabrice Serafino, num dos grandes momentos do espetáculo.
"O Lago..." pode não ser a obra mais inspirada de Mats Ek. Nem a dramaticidade chega a vencer os solavancos de registro e de forma, nem a composição coreográfica atinge o requinte de outras obras (como a "Carmen", que o Balé da Ópera de Lyon apresentou no ano passado). Mas é no mínimo instigante ver um "O Lago dos Cisnes" capaz de fazer, do mais conhecido dos roteiros, uma outra história. E capaz de acenar, para homens e mulheres, que a nossa já é -ou já pode ser uma- outra história de mulheres e homens.


O Lago dos Cisnes
    Com: Cullberg Ballet Quando: hoje, às 19h, e amanhã e terça, às 21h Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš, tel. 222-8698) Quanto: de R$ 20 a R$ 120 Patrocinadores: Nokia e Embratel




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