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CRÍTICA
Ironia e humor são constantes em Mats Ek
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Coreografado em 1987, "O
Lago dos Cisnes", de Mats
Ek, traz mulheres -e homens!-
de tutus e pés no chão... e carecas.
Esse lago de outros, bem outros
cisnes, estréia hoje em São Paulo.
Presença e ausência são os grandes temas dessa coreografia, que
conserva traços da obra original
(a figura do príncipe que se recusa
a se casar e a da mãe dominadora,
sem falar nos cisnes), transpostos
para uma outra circunstância.
Mas presença e ausência são sempre figuras da ironia, que tem função central na obra do coreógrafo.
Odette, a rainha dos cisnes, e
Odile, o cisne negro, continuam
sinalizando a dualidade feminina,
só que agora traduzem mulheres
fortes, em contraponto ao fraco e
sonhador príncipe. Julie Guibert
faz desses cisnes criaturas ao mesmo tempo suaves e do maior vigor e virtuosismo.
No estilo próprio desenvolvido
por Mats Ek, imagens e situações
dramáticas contrastam com episódios humorísticos. As cenas
burlescas de "O Lago..." são muito acentuadas pelos movimentos
dos três bobos da corte, que aparecem em cena sempre que a situação dramática atinge o clímax.
A comédia está do lado do que, na
psicanálise, se conhece como
"princípio da realidade", e as palhaçadas dos bobos podem ser
vistas, dessa perspectiva, como
um corretivo ao confuso mundo
de sonhos em que vive o príncipe.
Em alguns momentos a correção
vai mais longe: chega a lembrar
cenas de um desenho animado.
Na busca de uma linguagem
mais ampla, Ek utiliza passos que
partem do balé clássico, mas incorporam as influências mais variadas. Movimentos da parte superior do corpo são combinados
com energia a gestos rítmicos da
parte inferior. O resultado é uma
coreografia atlética, com amplitude nos braços e grande torção e
inclinação dos troncos.
Na busca do gesto essencial, Ek
vale-se de todas as possibilidades,
que incluem teatralização dos
movimentos e vocalizações dos
bailarinos. Também a música original de Tchaikovsky foi cortada e
editada de maneira particular. A
trilha soma músicas folclóricas israelenses, na segunda parte do balé, na qual se narra a viagem do
príncipe pelo mundo.
É nesse contexto incomum que
se dá o grande duo dos judeus, esplendidamente bem dançado por
Rafi Sadi e Fabrice Serafino, num
dos grandes momentos do espetáculo.
"O Lago..." pode não ser a obra
mais inspirada de Mats Ek. Nem a
dramaticidade chega a vencer os
solavancos de registro e de forma,
nem a composição coreográfica
atinge o requinte de outras obras
(como a "Carmen", que o Balé da
Ópera de Lyon apresentou no ano
passado). Mas é no mínimo instigante ver um "O Lago dos Cisnes"
capaz de fazer, do mais conhecido
dos roteiros, uma outra história. E
capaz de acenar, para homens e
mulheres, que a nossa já é -ou já
pode ser uma- outra história de
mulheres e homens.
O Lago dos Cisnes
Com: Cullberg Ballet
Quando: hoje, às 19h, e amanhã e terça,
às 21h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, tel. 222-8698)
Quanto: de R$ 20 a R$ 120
Patrocinadores: Nokia e Embratel
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