São Paulo, segunda-feira, 10 de setembro de 2007

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Crítica/cinema/"O Pequeno Italiano"

Drama russo aborda com dureza a saga de garoto órfão

Filme de Andrei Kravchuk levou prêmios paralelos no Festival de Berlim em 2005

Divulgação
Vanya (Kolya Spiridonov) em cena de "O Pequeno Italiano"


SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Na escala própria que o cinema desenvolveu para falar de temas difíceis e desagradáveis, a produção russa "O Pequeno Italiano" (2005) pode sugerir algo terrivelmente doloroso em sua abordagem da orfandade. Basta lembrar, no entanto, outro filme recente sobre infância perdida, o brasileiro "Querô", que estréia na próxima sexta-feira, para que a história de Vanya Solntsev pareça, na comparação, bem mais suave, poética e engrandecedora.
Vanya (Kolya Spiridonov), o "italiano" do título, é russo. Ganhou esse apelido, no orfanato onde vive, porque um casal de italianos se interessou em adotá-lo. Funciona ali, com o conhecimento de todos os envolvidos, um negócio que gera milhares de euros: o fornecimento de crianças para estrangeiros, administrado por uma fria e espertíssima agenciadora (Maria Kuznetsova, de "Taurus" e "Arca Russa") que mantém o corrupto diretor do lugar (Yuri Itskov) sob rédea curta.
Todos os internos sonham com a possibilidade de trocar aquele purgatório por um lar convencional no exterior, menos Vanya, subitamente obcecado pela idéia de reencontrar a sua mãe. Mas, se ela o deixou, não teria sido por não querer (ou não poder) criá-lo? Vá explicar isso a um pequeno órfão de cinema. A partir daí, as coordenadas da realidade e as da esperança se defrontam e fazem caminhar o filme, que obteve dois prêmios paralelos no Festival de Berlim em 2005.

Desajuste
Para os padrões brasileiros de instituições semelhantes, a rotina desse orfanato perdido no interior da Rússia é leve, mas o filme a trata com a dureza que merece: crianças e adolescentes jogados uns contra os outros, em sucessão de pequenas contravenções, cometidas ali dentro e também lá fora, apontam para uma vida adulta que prolongará o desajuste ou que, talvez, nem mesmo virá.
Em seu primeiro longa (co-dirigido com Yuri Feting), "O Mistério do Natal" (2000), o diretor russo Andrei Kravchuk já havia utilizado um personagem italiano para representar conexão com realidade distante e um tanto fantasiosa. Aqui, em seu solo de estréia (com roteiro de Andrei Romanov, inspirado em fatos verídicos), faz pequena variação: se o milagre de inverno que se oferece a Vanya (a adoção) não é o que ele deseja, busque-se outro.
Sua aventura em direção ao paraíso se filia à antiga tradição sofredora (e não exclusivamente iraniana, como alguns parecem acreditar) de crianças obrigadas a sobreviver e a amadurecer sozinhas no mundo adulto. O pré-requisito inicial, nesses casos, costuma ser um ator capaz de seduzir logo de cara o espectador.
De aparência bela e frágil, Kolya Spiridonov dá conta do recado, e com louvor: só pode ser cruel e profundamente injusta uma sociedade em que um menino de seis anos como esse vagueie por aí, levando pancada de quase todos e sem que algum mecanismo do Estado intervenha, à procura da mãe que o abandonou.

O PEQUENO ITALIANO
Direção:
Andrei Kravchuk
Produção: Rússia, 2005
Com: Kolya Spiridonov, Maria Kuztesova, Nikolai Reutov
Onde: em cartaz no Cinesesc
Avaliação: bom


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