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Crítica/dança/"La Chambre de Isabella" e "Sang d'Encre"
Bailarinos belgas e suíços exploram amor e angústia em belos espetáculos
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
N
a semana passada estiveram em São Paulo
dois grandes espetáculos: "La Chambre de Isabella"
(O Quarto de Isabella), de Jan
Lauwers, com a companhia
belga Needcompany, e "Sang
d'Encre" (Sangue de Tinta),
com a companhia suíça de Philippe Saire. Ambos se valem de
texto, movimento, imagens e
sons para revelar o que não pode ser dito só com palavras. O
palco expõe espaços mentais de
liberdade, angústia, amor, precariedade, à medida que diversos pontos de vista vão criando
tramas (e traumas) de relações.
No começo de "La Chambre...", o próprio Lauwers se dirige aos espectadores para explicar o contexto da peça. A
personagem principal é uma
mulher de mais de 90 anos, que
revê a travessia de sua vida. O
peso dos segredos revelados
não a faz perder o otimismo,
numa espécie de comédia musical dramatizando a história
do século 20, da Primeira Guerra Mundial, passando por Hiroxima e pela fome na África, até
os dias de hoje.
Lugares da existência
Isabelle é cega, mas uma pequena câmera em seus óculos
permite que veja o que não pode ser visto. Cercada de objetos
antigos que sublimam seu
amor pela África, ela convida o
espectador a descobrir lugares
longínquos da existência. Personagens que dividem a cena
com ela representam os lados
direito e esquerdo do cérebro,
sua zona erógena, seus fantasmas. A peça começa com a canção "We Just Go On" que pode
servir de mote beckettiano para a noite, cantada com antibeckettiana leveza por quem
está do outro lado da morte.
Também "Sang..." aborda o
comportamento humano, as
inquietudes, os perigos, o medo, os sonhos, a precariedade.
Mas aqui o movimento é o fator
preponderante. Saire revela a
servidão voluntária a que nos
submetemos, pelo desejo de segurança, com momentos alternadamente cômicos e emocionantes, sempre tratados de forma irônica.
Fazer sangue de tinta: um
dançarino comenta seus planos
e em seguida se joga de ponta-cabeça, sustentado pelos outros. Um jogo calculado de poder, do mais fraco ao mais forte.
Os bailarinos rolam, saltam,
caem, usam apoios de diversas
formas, possibilitando novos
jogos de força e impulsos do
movimento. Palavras são projetadas em três luminosos, "um
bailarino pode te convidar para
ir ao palco", "o volume sonoro
suportável é de 96 decibéis".
Falas rápidas se sucedem, como a observação de que a mulher está nua e o grito da outra.
Socorro e desamparo
São seis intérpretes se equilibrando uns sobre os outros, em
muitas variantes. Por vezes o
efeito é cômico, como quando
se tira a cadeira de quem está
sentado: o socorro de um é o
desamparo do outro.
A luz tem papel preponderante, varrendo o chão para
criar um ambiente de penumbra. As sombras dos corpos
dançam e deixam entrever o
que está oculto nas massas humanas. A ternura dos encontros também está presente, pelas frestas do toque, que seja, e
pela nostalgia da falta.
LA CHAMBRE DE ISABELLA E
SANG D'ENCRE
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