São Paulo, terça-feira, 10 de outubro de 2006

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Crítica/dança/"La Chambre de Isabella" e "Sang d'Encre"

Bailarinos belgas e suíços exploram amor e angústia em belos espetáculos

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

N a semana passada estiveram em São Paulo dois grandes espetáculos: "La Chambre de Isabella" (O Quarto de Isabella), de Jan Lauwers, com a companhia belga Needcompany, e "Sang d'Encre" (Sangue de Tinta), com a companhia suíça de Philippe Saire. Ambos se valem de texto, movimento, imagens e sons para revelar o que não pode ser dito só com palavras. O palco expõe espaços mentais de liberdade, angústia, amor, precariedade, à medida que diversos pontos de vista vão criando tramas (e traumas) de relações.
No começo de "La Chambre...", o próprio Lauwers se dirige aos espectadores para explicar o contexto da peça. A personagem principal é uma mulher de mais de 90 anos, que revê a travessia de sua vida. O peso dos segredos revelados não a faz perder o otimismo, numa espécie de comédia musical dramatizando a história do século 20, da Primeira Guerra Mundial, passando por Hiroxima e pela fome na África, até os dias de hoje.

Lugares da existência
Isabelle é cega, mas uma pequena câmera em seus óculos permite que veja o que não pode ser visto. Cercada de objetos antigos que sublimam seu amor pela África, ela convida o espectador a descobrir lugares longínquos da existência. Personagens que dividem a cena com ela representam os lados direito e esquerdo do cérebro, sua zona erógena, seus fantasmas. A peça começa com a canção "We Just Go On" que pode servir de mote beckettiano para a noite, cantada com antibeckettiana leveza por quem está do outro lado da morte.
Também "Sang..." aborda o comportamento humano, as inquietudes, os perigos, o medo, os sonhos, a precariedade. Mas aqui o movimento é o fator preponderante. Saire revela a servidão voluntária a que nos submetemos, pelo desejo de segurança, com momentos alternadamente cômicos e emocionantes, sempre tratados de forma irônica.
Fazer sangue de tinta: um dançarino comenta seus planos e em seguida se joga de ponta-cabeça, sustentado pelos outros. Um jogo calculado de poder, do mais fraco ao mais forte.
Os bailarinos rolam, saltam, caem, usam apoios de diversas formas, possibilitando novos jogos de força e impulsos do movimento. Palavras são projetadas em três luminosos, "um bailarino pode te convidar para ir ao palco", "o volume sonoro suportável é de 96 decibéis".
Falas rápidas se sucedem, como a observação de que a mulher está nua e o grito da outra.

Socorro e desamparo
São seis intérpretes se equilibrando uns sobre os outros, em muitas variantes. Por vezes o efeito é cômico, como quando se tira a cadeira de quem está sentado: o socorro de um é o desamparo do outro.
A luz tem papel preponderante, varrendo o chão para criar um ambiente de penumbra. As sombras dos corpos dançam e deixam entrever o que está oculto nas massas humanas. A ternura dos encontros também está presente, pelas frestas do toque, que seja, e pela nostalgia da falta.


LA CHAMBRE DE ISABELLA E SANG D'ENCRE
    



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