São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

Texto Anterior | Índice

Franceses vêm a São Paulo para investigar a "geografia do outro"

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Num dos cômodos do casarão do século 18, a metros do marco zero de São Paulo, o diretor Georges Lavaudant, 57, nome dos mais respeitados no teatro francês atual, ensaia leitura de mesa com atores brasileiros, entre eles Paulo Autran, 80.
Na sala ao lado, outro encenador francês, Moïse Touré, 42, de ascendência africana, comanda a oficina "Irmãos" com atores de grupos como o anfitrião Teatro da Vertigem, que ocupa a Casa Número 1 (patrimônio histórico da cidade), o Oficina Uzyna Uzona, Satyros, Latão e Folias d'Arte.
Esses caminhos se entrecruzam nas atividades do evento "Geografia do Outro - Versões do Teatro Francês Contemporâneo", que acontece até amanhã.
"O palco é lugar do risco", diz Lavaudant (palco também entendido como espaço não convencional) no primeiro encontro com os atores que vão ler "Pandora", peça do filósofo e poeta Jean-Christophe Bailly (1949).
O texto visita o mito da mulher enviada pelos deuses com a caixa que contém todos os males.
Depois, na conversa com a Folha, Lavaudant explica que esse território do risco lhe é essencial. Ele se diz movido por "curiosidades" desde que iniciou a carreira, no final dos anos 60. Foi o que o fez trabalhar freqüentemente em terras estrangeiras, como a Rússia, a Índia, o México e o Brasil, que agora conhece.
Diretor artístico do Odéon, em Paris, teatro para o qual convergem artistas russos, poloneses, alemães, enfim, uma pequena comunidade européia das artes cênicas, mantido pelo governo, Lavaudant diz que em suas andanças pelo mundo deparou com países em que o fazer teatral esbarra no precário.
Sob as perspectivas política e econômica, o cidadão Lavaudant acha que isso é um problema a ser superado principalmente pela sociedade e por quem a governa.
Do ponto de vista artístico, ele vê paradoxos. "Às vezes, os criadores estão anestesiados pelo discurso de que não há dinheiro, de que não há tradição teatral. Você pode encontrar 50 desculpas, elas sempre existirão. Eis o perigo."
Seu colega, Moïse Touré, conhece bem o trânsito "centro-periferia". Ele nasceu na Costa do Marfim e já trabalhou em países como República Dominicana, Marrocos e Japão.
Aos atores brasileiros, Touré propõe uma investigação sobre textos do dramaturgo Bernard-Marie Koltès (1948-89), como "Roberto Zucco" e "Na Solidão dos Campos de Algodão".
"Geografia da Fome" traz subsídios para o Teatro da Vertigem, que investiga o outro no projeto "BR 3", relacionando o bairro paulistano de Brasilândia, a capital do país, Brasília, e a cidade de Brasiléia, no Acre.
O evento é uma realização do Consulado Geral da França em SP, com apoio da Associação Francesa para a Ação Artística.


GEOGRAFIA DO OUTRO - VERSÕES DO TEATRO FRANCÊS CONTEMPORÂNEO. Quando: hoje, às 13h, palestra do crítico Yan Ciret no teatro-laboratório da ECA-USP (av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215, tel. 3091-4375). Às 21h, leitura de trechos de "Pandora", de Jean-Christophe Bailly, com direção de Georges Lavaudant e participação dos atores Phillippe Morier-Genoud, Astrid Bas, Paulo Autran, Elias Andreato e Debora Duboc. Amanhã, às 21h, apresentação de "Irmãos", resultado de oficina de Moïse Touré, na Casa Número 1 (r. Roberto Simonsen, 136, tel. 3241-3132). A programação tem entrada franca.


Texto Anterior: Cinema: Mostra delineia as faces do negro na tela
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.