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O OLHAR DE UM SOBREVIVENTE
Roberto Benigni realiza obra-prima
BEN ABRAHAM
especial para a Folha
O filme "A Vida É Bela" é uma
obra-prima. Apresentando o Holocausto em uma forma recheada
de humor sadio, apesar do tema
trágico, o seu produtor, o italiano
Roberto Benigni, que também é o
ator principal dessa película, representando Guido, um judeu desajeitado, consegue transmitir de
maneira inédita a barbárie praticada contra os judeus durante a época nazista.
Disfarçado de inspetor numa escola, a aula que administra sobre a
superioridade racial é uma crítica
sobre a insanidade dessa teoria imposta pelos nazistas na Itália.
Respondendo à pergunta do seu
filho, Giosué (Sergio Cantarini),
sobre o que significam as inscrições em lugares públicos "entrada
proibida aos cachorros e judeus",
Guido ironiza e, ao mesmo tempo,
transmite uma mensagem do absurdo da discriminação e do preconceito.
Apesar do tema sério e pesado, o
filme desde o início até o trágico
fim não deixa de ser divertido.
O campo de concentração, que
mais parece uma prisão pelo tratamento dispensado aos prisioneiros, não está fugindo da realidade.
As seleções de idosos para as câmaras de gás, os trabalhos forçados e as condições de como viviam
nos alojamentos relembraram-me
a época do meu cativeiro nos campos de concentração.
No que se refere à sobrevivência
de seu filho pequeno, que pode parecer uma fantasia, citarei um
exemplo paralelo, quando, em
1944, meu tio Lajbel Szydlowski Z'I
e Naftali Lavi, um como pai e outro
como irmão mais velho, carregavam, após a liquidação do Gueto
em Piotrkow, duas crianças escondidas nas suas mochilas para Czestochova e depois para o campo de
Bochenwald, ficando juntos até a
libertação.
Os dois meninos sobreviveram à
guerra e frequentaram juntos uma
Yeshivá em Israel, tornando-se o
irmão de Naftali Lavi (Lau) o rabino chefe de Israel, função que exerce até hoje.
Coisas inimagináveis aconteciam. Uma "irrealidade real". Afinal todos os que saíram vivos dos
campos sobreviveram à guerra por
milagre. As crianças tornavam-se
adultos, e os adolescentes, homens
maduros.
O tratamento dispensado por
Guido a seu filho, Giosué, a esperança que lhe deu para ganhar um
tanque de guerra, o seu passo cômico, quando conduzido ao fuzilamento, passando em frente do esconderijo do qual, pela fresta, a
criança o observava, marcam a seriedade dessa película.
Apesar de o coração do pai sangrar e saber o destino que o seu filho teria quando descoberto, aparentava uma brincadeira perante
sua criança.
"A Vida É Bela" é uma obra-prima que coloca Benigni, tanto como
diretor como ator, em um pedestal
da arte cinematográfica ao lado do
imortal Charles Chaplin.
Não deixem de ver esse filme!
Ben Abraham, 73, jornalista e escritor, é vice-presidente da Associação Mundial dos Sobreviventes do Nazismo
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