São Paulo, Sábado, 13 de Março de 1999
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O OLHAR DE UM SOBREVIVENTE
Roberto Benigni realiza obra-prima

BEN ABRAHAM
especial para a Folha

O filme "A Vida É Bela" é uma obra-prima. Apresentando o Holocausto em uma forma recheada de humor sadio, apesar do tema trágico, o seu produtor, o italiano Roberto Benigni, que também é o ator principal dessa película, representando Guido, um judeu desajeitado, consegue transmitir de maneira inédita a barbárie praticada contra os judeus durante a época nazista.
Disfarçado de inspetor numa escola, a aula que administra sobre a superioridade racial é uma crítica sobre a insanidade dessa teoria imposta pelos nazistas na Itália.
Respondendo à pergunta do seu filho, Giosué (Sergio Cantarini), sobre o que significam as inscrições em lugares públicos "entrada proibida aos cachorros e judeus", Guido ironiza e, ao mesmo tempo, transmite uma mensagem do absurdo da discriminação e do preconceito.
Apesar do tema sério e pesado, o filme desde o início até o trágico fim não deixa de ser divertido.
O campo de concentração, que mais parece uma prisão pelo tratamento dispensado aos prisioneiros, não está fugindo da realidade. As seleções de idosos para as câmaras de gás, os trabalhos forçados e as condições de como viviam nos alojamentos relembraram-me a época do meu cativeiro nos campos de concentração.
No que se refere à sobrevivência de seu filho pequeno, que pode parecer uma fantasia, citarei um exemplo paralelo, quando, em 1944, meu tio Lajbel Szydlowski Z'I e Naftali Lavi, um como pai e outro como irmão mais velho, carregavam, após a liquidação do Gueto em Piotrkow, duas crianças escondidas nas suas mochilas para Czestochova e depois para o campo de Bochenwald, ficando juntos até a libertação.
Os dois meninos sobreviveram à guerra e frequentaram juntos uma Yeshivá em Israel, tornando-se o irmão de Naftali Lavi (Lau) o rabino chefe de Israel, função que exerce até hoje.
Coisas inimagináveis aconteciam. Uma "irrealidade real". Afinal todos os que saíram vivos dos campos sobreviveram à guerra por milagre. As crianças tornavam-se adultos, e os adolescentes, homens maduros.
O tratamento dispensado por Guido a seu filho, Giosué, a esperança que lhe deu para ganhar um tanque de guerra, o seu passo cômico, quando conduzido ao fuzilamento, passando em frente do esconderijo do qual, pela fresta, a criança o observava, marcam a seriedade dessa película.
Apesar de o coração do pai sangrar e saber o destino que o seu filho teria quando descoberto, aparentava uma brincadeira perante sua criança.
"A Vida É Bela" é uma obra-prima que coloca Benigni, tanto como diretor como ator, em um pedestal da arte cinematográfica ao lado do imortal Charles Chaplin.
Não deixem de ver esse filme!


Ben Abraham, 73, jornalista e escritor, é vice-presidente da Associação Mundial dos Sobreviventes do Nazismo

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