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CINEMA
CCBB apresenta a partir de hoje série histórica de longas franceses que têm roteiros baseados em textos literários
Livro e filme se mesclam em retrospectiva
Divulgação
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Catherine Deneuve em "A Bela da Tarde", filme de Luís Buñuel inspirado em romance de Joseph Kessel que está presente na mostra |
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A mostra "Literatura e Cinema: Uma História de Amor e
Traição", que começa hoje no
Centro Cultural Banco do Brasil,
coloca em xeque duas afirmações
correntes sobre a relação entre os
dois meios de expressão: a primeira, atribuída a Hitchcock, é a
de que os bons livros não geram
bons filmes; a segunda, de que filmes baseados em obras literárias
são em geral discursivos e "pouco
cinematográficos".
Realizada com apoio da Cinemateca da Embaixada da França,
a retrospectiva traz 13 longas-metragens franceses representativos
de formas muito diversas de levar
a literatura às telas.
Há na programação desde
adaptações clássicas -como "Os
Miseráveis" (1933), de Raymond
Bernard (baseada em Victor Hugo), e "Assim Deus Mandou"
(1960), de Philippe Agostini (baseada em Bernanos)- até obras
personalíssimas de escritores que
passaram à direção e filmaram
seu próprio texto.
É o caso do onírico "Orfeu"
(1949), de Jean Cocteau, atualização do mito de Orfeu, marcada
pela experimentação visual e pelo
uso não-narrativo da palavra.
Outra escritora de vanguarda,
Marguerite Duras, filmou em
1974 "India Song", obra radical e
única, composta de planos-sequência e locução em "off".
Ainda no terreno da radicalidade e da experimentação, a mostra
traz "O Ano Passado em Marienbad" (1961), de Alain Resnais,
com texto de Alain Robbe-Grillet,
vagamente inspirado por sua vez
na novela "A Invenção de Morel",
de Bioy Casares. Com sua estrutura recorrente, seu ritmo encantatório, sua complexa relação entre
som e imagem, "Marienbad" libera do enredo e da localização geográfica um casal de amantes para
aprisioná-lo no espaço puro do
cinema.
Outro caso feliz de casamento
entre escrita e cinema é o de
"Mouchette, a Virgem Possuída"
(1967), de Robert Bresson, inspirado em Georges Bernanos. O catolicismo austero de Bernanos casa-se à perfeição com a narrativa
descarnada de Bresson, como já
havia ficado provado em "Diário
de um Padre de Aldeia" (1951).
Em "Mouchette", trata-se do pequeno calvário de uma garota pobre vítima da crueldade, narrado
de modo áspero e desprovido de
sentimentalismo.
Bresson está na mostra também
com "As Damas do Bois de Boulogne" (1944), que Jean Cocteau
adaptou de um episódio de "Jacques, o Fatalista", de Diderot.
Nessa história de amor e vingança
protagonizada por esquivas mulheres de negro, o grande cineasta
lançava as bases de seu estilo desdramatizado e essencial.
Outro autor de primeiríssimo
time presente na programação é
Luís Buñuel, com o fundamental
"A Bela da Tarde" (1967). Aproveitando do romance de Joseph
Kessel apenas o esqueleto do
enredo -a história de uma burguesa frígida por conta de uma
violência sexual sofrida na infância-, o diretor espanhol acabou
por criar um novo paradigma do
desejo feminino, num filme em
que realidade, sonho e fantasia
têm a mesma espessura.
A imagem marmórea de Catherine Deneuve tornou-se desde então um dos ícones da sexualidade
no cinema.
Já em "Madame Bovary" (1991),
versão de Claude Chabrol para a
obra-prima de Flaubert, a relativa
frieza da extraordinária atriz Isabelle Huppert parece em descompasso com a ardente heroína do
romance. A sobriedade narrativa
trai talvez um excessivo respeito
de Chabrol pelo original.
De todo modo estamos ali num
terreno de classe e consistência a
anos-luz da cosmética modernosa de "Diva - Paixão Perigosa", de
Jean-Jacques Beineix, baseado
num romance policial de Delacorta, sobre uma cantora lírica
que se envolve inadvertidamente
numa trama vagamente "noir".
Enfim, uma mostra que não é
um mero amontoado de filmes,
mas uma rara ocasião de aprendizado e reflexão.
MOSTRA CINEMA E LITERATURA.
Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112,
tel. 3113-3651). Quando: de hoje a
domingo. Inf.: www.cultura-e.com.br.
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