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Crítica/teatro/"Olerê! Olará!"
Peça joga com clichês e renova referências
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O espaço cênico é o de
um bar, O Inflamável,
estreito e com um pequeno palco ao fundo. É a sede
da Cia. Satélite, de Dionisio Neto, e abriga o espetáculo "Olerê!
Olará!", escrito e encenado por
ele. O subtítulo, "Samba-Cabaré", sugere uma mixagem, na linha de outras experimentadas
por Neto, como a de "Opus Profundum", de 1996, que se pretendia uma "peça festa manifesto show".
No caso aqui, combinam-se o
ambiente do cabaré, os códigos
da revista e a MPB mais sofisticada para um diálogo com o
teatro contemporâneo. O teatro de cabaré é uma forma europeia com mais de cem anos
que sempre reaparece como alternativa de transgressão. Está
no fio da navalha entre a alta e a
baixa culturas, e o espetáculo
flerta com ambas. O teatro de
revista presta-se maravilhosamente à proposta, com sua estrutura de show de atrações.
A cena de abertura já revela o
melhor do espetáculo, que é o
desenho rigoroso dos gestos e
movimentos das "neovedetes",
numa retomada, em chave formalista, da sintaxe dos corpos
da revista. Repaginadas no universo do pop, as vedetes ainda
encarnam alegorias, mas adquirem um tom enigmático.
Nessa mistura de gêneros populares reapropriados com intenções contemporâneas, cabe
também uma forte referência à
televisão. Quem costura as cenas nos dois atos é Milanta
Plus, uma típica apresentadora
do meio carregada pelo ator Jota Marcelo. O fato de a personagem hesitar de forma tosca em
suas falas favorece o arquétipo,
mas dificulta a tradicional missão do "compère" de fazer o público gargalhar. Talvez seja a
estranheza do tratamento hiperestético.
Como convém aos gêneros
que reúne, o espetáculo é feito
de performances irregulares,
que variam conforme a força
das atrizes e dos atores.
Cada uma das "neovedetes"
tem a sua vez. Algumas fazem
mais de um número, e todas dobram como coristas no solo das
outras. Os destaques são para
Giovanna Velasco, seja como o
Teatro de Revista, seja como
Lulu Chuva de Prata. Mayana
Neiva também revela personalidade como Carmem Rosa, e
Maíra Dvorek brilha como Lisa
Eu e Tu. Os solos são feitos ora
de prosa poética estranha aos
textos habituais da revista, ora
com canções cult da MPB, o
que deixa o pretendido "samba-cabaré" bem longe do entusiasmo da chanchada ou da
grande revista brasileira.
O trio Cha Cha Cha, como
uma antibanda carnavalesca,
com percussão, violão e teclado, garante o tom menor do espetáculo. Fundamentais, também, os figurinos de Fábio Namatame, que dão o brilho e a
elegância imprescindíveis às
divas. Nem todas conseguem
cantar à altura do que vestem,
nem tampouco o texto de Dionisio Neto mantém sempre a
força de alguns momentos inspirados. Mas, no geral, o espetáculo acaba fascinando pela
inventividade e por remar contra a maré de expectativas que
cercam os gêneros visitados.
Sem fugir de nenhum de seus
clichês, joga com eles criativamente e renova suas referências embaralhando-as. É puro
teatro contemporâneo disfarçado de cabaré, e cabaré disfarçado de teatro de revista.
OLERÊ! OLARÁ!
Quando: sáb., às 20h, dom., às 19h; até
junho
Onde: O Inflamável (r. Maria Borba, 87,
Vila Buarque, tel. 2533-8543)
Quanto: R$ 20
Classificação: não indicada a menores
de 12 anos
Avaliação: bom
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