São Paulo, quinta-feira, 14 de maio de 2009

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Crítica/teatro/"Olerê! Olará!"

Peça joga com clichês e renova referências

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O espaço cênico é o de um bar, O Inflamável, estreito e com um pequeno palco ao fundo. É a sede da Cia. Satélite, de Dionisio Neto, e abriga o espetáculo "Olerê! Olará!", escrito e encenado por ele. O subtítulo, "Samba-Cabaré", sugere uma mixagem, na linha de outras experimentadas por Neto, como a de "Opus Profundum", de 1996, que se pretendia uma "peça festa manifesto show".
No caso aqui, combinam-se o ambiente do cabaré, os códigos da revista e a MPB mais sofisticada para um diálogo com o teatro contemporâneo. O teatro de cabaré é uma forma europeia com mais de cem anos que sempre reaparece como alternativa de transgressão. Está no fio da navalha entre a alta e a baixa culturas, e o espetáculo flerta com ambas. O teatro de revista presta-se maravilhosamente à proposta, com sua estrutura de show de atrações.
A cena de abertura já revela o melhor do espetáculo, que é o desenho rigoroso dos gestos e movimentos das "neovedetes", numa retomada, em chave formalista, da sintaxe dos corpos da revista. Repaginadas no universo do pop, as vedetes ainda encarnam alegorias, mas adquirem um tom enigmático.
Nessa mistura de gêneros populares reapropriados com intenções contemporâneas, cabe também uma forte referência à televisão. Quem costura as cenas nos dois atos é Milanta Plus, uma típica apresentadora do meio carregada pelo ator Jota Marcelo. O fato de a personagem hesitar de forma tosca em suas falas favorece o arquétipo, mas dificulta a tradicional missão do "compère" de fazer o público gargalhar. Talvez seja a estranheza do tratamento hiperestético.
Como convém aos gêneros que reúne, o espetáculo é feito de performances irregulares, que variam conforme a força das atrizes e dos atores.
Cada uma das "neovedetes" tem a sua vez. Algumas fazem mais de um número, e todas dobram como coristas no solo das outras. Os destaques são para Giovanna Velasco, seja como o Teatro de Revista, seja como Lulu Chuva de Prata. Mayana Neiva também revela personalidade como Carmem Rosa, e Maíra Dvorek brilha como Lisa Eu e Tu. Os solos são feitos ora de prosa poética estranha aos textos habituais da revista, ora com canções cult da MPB, o que deixa o pretendido "samba-cabaré" bem longe do entusiasmo da chanchada ou da grande revista brasileira.
O trio Cha Cha Cha, como uma antibanda carnavalesca, com percussão, violão e teclado, garante o tom menor do espetáculo. Fundamentais, também, os figurinos de Fábio Namatame, que dão o brilho e a elegância imprescindíveis às divas. Nem todas conseguem cantar à altura do que vestem, nem tampouco o texto de Dionisio Neto mantém sempre a força de alguns momentos inspirados. Mas, no geral, o espetáculo acaba fascinando pela inventividade e por remar contra a maré de expectativas que cercam os gêneros visitados.
Sem fugir de nenhum de seus clichês, joga com eles criativamente e renova suas referências embaralhando-as. É puro teatro contemporâneo disfarçado de cabaré, e cabaré disfarçado de teatro de revista.


OLERÊ! OLARÁ!
Quando:
sáb., às 20h, dom., às 19h; até junho
Onde: O Inflamável (r. Maria Borba, 87, Vila Buarque, tel. 2533-8543)
Quanto: R$ 20
Classificação: não indicada a menores de 12 anos
Avaliação: bom



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