São Paulo, Sábado, 14 de Agosto de 1999
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CINEMA
A diretora francesa Catherine Breillat explica por que incluiu cenas de sexo explícito em seu filme
"Romance" não é um grande amor

CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

"Romance" tem tudo para impressionar (ou provocar tédio). Dirigido por Catherine Breillat, o filme francês vem recheado de cenas de sexo explícito (masturbação, felação, penetração, sadomasoquismo etc.), abusa da verborragia dos personagens e conta com a presença de um astro do cinema pornô: o bem-dotado Rocco Siffredi.
Em entrevista à Folha, a diretora Catherine Breillat explicou a necessidade das cenas de sexo explícito do filme e falou sobre o uso de dublês e a atuação do astro pornô Siffredi.

Folha - Seu filme se chama "Romance", mas quase não vemos romance nele. Por que esse título? Que tipo de romance você está procurando?
Catherine Breillat -
O romance, ao contrário do que acreditamos, é uma coisa que queremos viver, algo para o qual estamos prontos e sem qualquer exigência. Um romance não é um grande amor. É algo que nos engana, fazendo acreditar que é amor, mas que, em seguida, não contém seus ingredientes. Não estou dizendo que ele não tem importância, mas que ele não tem exigência. É algo que, depois do tempo da ilusão, traz o tempo da desilusão. O romance é uma amor ilusório, não é um verdadeiro amor. Mas temos tanto desejo de viver um amor, mesmo ilusório, que creditamos ao romance uma importância muito grande.

Folha - E, no filme, Marie quer um romance?
Breillat -
No começo do filme ela vive o fim de um romance, que termina com sua desilusão e a degradação de si mesma. É sempre assim. Acreditamos que é amor aquilo que não passa de desejo de amor. Marie não ama Paul. Ele é o objeto de seu amor, mas não é o sujeito de seu amor.

Folha - Que tipo de motivação a levou a incluir cenas de sexo explícito no filme?
Breillat -
Foram duas motivações: uma de autor e outra relacionada à dignidade humana. Todos fazemos sexo explícito, mas temos a impressão de que não se trata da mesma coisa que vemos no cinema pornográfico.
Assim sendo, pensei que o cinema de autor deveria desmistificar o sexo explícito e mostrar que não se trata apenas de imagens, mas também de sentimentos.
O cinema é a arte que dá senso e emoção às imagens e, por isso, deveria reintegrar as imagens pornográficas em um cinema de autor para dar-lhes um sentido diferente. Quando eu digo cinema de autor, quero dizer cinema tradicional.
Esse tipo de imagem esteve reservada ao que chamamos cinema "X" (sigla que identifica filmes pornográficos), mas que sequer é cinema. Trata-se de uma indústria do sexo, não mais do que isso.
O cinema "X" é a prostituição do sexo. O cinema pornográfico não é uma visão do sexo definitiva, apesar de ser praticamente a única que temos atualmente.
Pensei então que seria absolutamente necessário criar uma outra, que não seria apenas um direito, mas um dever dos autores. Trata-se de um campo imenso de pesquisa e reflexão para o futuro.
"Romance" não é uma visão do sexo. É uma procura de uma identidade pessoal por meio do sexo. Não é sobre o prazer, embora ele conte também.

Folha - A escolha de Rocco Siffredi para um dos papéis não remete o espectador para esse tipo de indústria pornográfica?
Breillat -
Sim, mas acredito que a sua importância ultrapassou a indústria pornô. Eu diria que, apesar de ele fazer filmes pornôs, os espectadores lhe rendem uma atenção impensável para alguém que faça filmes pornôs. Ele é um dos mistérios do filme. Ele não foi aviltado por aquilo que faz. Ele é uma das poucas estrelas do filme pornô que ultrapassa essa fronteira. Ele não é um pária da indústria e dá uma nova luz ao filme.

Folha - Você acredita que ele seja um bom ator?
Breillat -
Ele é um bom ator, mas não foi um bom ator imediatamente. Foi necessário que ele aprendesse tudo. Ele pensava que apenas a falta de inibição física seria suficiente, mas não foi. O ator deveria promover o exibicionismo de seus sentimentos e de sua alma, algo que ele não compreendia, mas aprendeu muito rápido. É um bom ator, mas que tem muito a aprender, e eu não pude ensinar-lhe tudo, pois o papel não era grande o bastante.

Folha - Você usou dublês nas cenas pornográficas?
Breillat -
A cena em que as pessoas apareciam divididas em duas foi feita com dublê, uma atriz do cinema pornô. A atriz principal aceitou um certo número de coisas, mas não se trata de uma atriz pornô e, por isso, não a obriguei a fazer o que não quisesse.


Filme: Romance Produção: França, 1998, 95 min. Direção: Catherine Breillat Com: Caroline Ducey, Sagamore Stevenin, Rocco Siffredi e outros Onde: Espaço Unibanco 2 (14h10, 16h, 18h, 20h e 22h), Ipiranga 2 (desde 13h30), Belas Artes Villa-Lobos (desde 14h), Studio Alvorada 1 (desde 14h) e Morumbi 5 (desde 16h)


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