São Paulo, terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

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Crítica/"O Amor Segundo B. Schianberg"

Beto Brant investiga limites da intimidade

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A primeira imagem de "O Amor Segundo B. Schianberg" é o close de dois rostos, um homem e uma mulher, que se beijam, se mordem, se entredevoram. O restante do filme de Beto Brant será um desdobramento dessa imagem primordial. Confinados num apartamento paulistano, a videoartista Gala (Marina Previato) e o ator Felix (Gustavo Machado) fazem amor, discutem arte, dizem banalidades, enquanto ela produz um vídeo experimental e fragmentário do qual ele é, de certa forma, o protagonista.
Experimental e fragmentário é também o próprio filme de Brant, que teve uma versão em formato de microssérie exibida na TV Cultura no ano passado.
Seu argumento é inspirado no personagem Benjamin Schianberg, do livro "Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios", de Marçal Aquino, roteirista habitual do diretor (mas não aqui).
Gravada, em sua maior parte, por câmeras de vigilância, em enquadramentos apenas aparentemente casuais e descuidados, a obra é mais do que uma paródia dos reality shows que proliferam na televisão brasileira: é o seu avesso. Se, nesses abomináveis programas, trata-se de dar ares de espetáculo midiático à banalidade cotidiana, aqui se questionam, dilaceradamente, os limites da intimidade, da entrega, da comunhão com o outro.
Pelo fato de Felix ser ator, o casal discute e pratica a todo momento técnicas de representação: como se beija no palco ou no cinema, como se chora, como se boceja. Nessa representação da representação, nesse falso elevado ao quadrado, o filme tem momentos de verdade que raramente vemos no cinema. Guardadas as distâncias, é quase um Bergman da era dos amores provisórios.
Belos, inteligentes, sensíveis, experimentados no exercício da liberdade (moral, estética, política), os personagens desse "huis clos" operam ao mesmo tempo uma estetização da vida e uma vivificação da arte.
Beto Brant, talvez o cineasta mais inquieto e talentoso em atividade no país, segue tentando captar, filme após filme, a gama de desejos e afetos dos seres urbanos de nossa época, tendo sempre a arte como pano de fundo ou interlocutor: a música em "O Invasor", o teatro em "Crime Delicado", a literatura em "Cão sem Dono", as artes visuais aqui.
Um cinema que busca, experimenta e eventualmente erra (faz parte do risco). Nem tudo é sublime em "O Amor Segundo B. Schianberg". Às vezes o prosaico é apenas prosaico. Mas não é assim na vida?


Avaliação: bom



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