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Crítica/"O Amor Segundo B. Schianberg"
Beto Brant investiga limites da intimidade
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A primeira imagem de "O
Amor Segundo B.
Schianberg" é o close de
dois rostos, um homem e uma
mulher, que se beijam, se mordem, se entredevoram. O restante do filme de Beto Brant será um desdobramento dessa
imagem primordial.
Confinados num apartamento paulistano, a videoartista
Gala (Marina Previato) e o ator
Felix (Gustavo Machado) fazem amor, discutem arte, dizem banalidades, enquanto ela
produz um vídeo experimental
e fragmentário do qual ele é, de
certa forma, o protagonista.
Experimental e fragmentário
é também o próprio filme de
Brant, que teve uma versão em
formato de microssérie exibida
na TV Cultura no ano passado.
Seu argumento é inspirado
no personagem Benjamin
Schianberg, do livro "Eu Receberia as Piores Notícias dos
Seus Lindos Lábios", de Marçal
Aquino, roteirista habitual do
diretor (mas não aqui).
Gravada, em sua maior parte,
por câmeras de vigilância, em
enquadramentos apenas aparentemente casuais e descuidados, a obra é mais do que uma
paródia dos reality shows que
proliferam na televisão brasileira: é o seu avesso.
Se, nesses abomináveis programas, trata-se de dar ares de
espetáculo midiático à banalidade cotidiana, aqui se questionam, dilaceradamente, os limites da intimidade, da entrega,
da comunhão com o outro.
Pelo fato de Felix ser ator, o
casal discute e pratica a todo
momento técnicas de representação: como se beija no palco ou no cinema, como se chora, como se boceja. Nessa representação da representação,
nesse falso elevado ao quadrado, o filme tem momentos de
verdade que raramente vemos
no cinema. Guardadas as distâncias, é quase um Bergman
da era dos amores provisórios.
Belos, inteligentes, sensíveis,
experimentados no exercício
da liberdade (moral, estética,
política), os personagens desse
"huis clos" operam ao mesmo
tempo uma estetização da vida
e uma vivificação da arte.
Beto Brant, talvez o cineasta
mais inquieto e talentoso em
atividade no país, segue tentando captar, filme após filme, a
gama de desejos e afetos dos seres urbanos de nossa época,
tendo sempre a arte como pano
de fundo ou interlocutor: a música em "O Invasor", o teatro
em "Crime Delicado", a literatura em "Cão sem Dono", as artes visuais aqui.
Um cinema que busca, experimenta e eventualmente erra
(faz parte do risco). Nem tudo é
sublime em "O Amor Segundo
B. Schianberg". Às vezes o prosaico é apenas prosaico. Mas
não é assim na vida?
Avaliação: bom
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