|
Texto Anterior | Índice
"DIÁRIO DE UMA LOUCA"
Comédia afro revela-se cúmplice do racismo
CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Difícil surgir uma aberração
do porte de "Diário de uma
Louca". Com elenco e temas afro,
se sustenta numa colagem de linguagens trash de TV (pregação
religiosa arrebanhadora, novelas
da mais mexicana dramaturgia).
"A" protagonista é um homem
obeso fantasiado de vovó do bairro negro, centro do filme.
Nele, índoles doentes receberão
cura, à base de correção e fé. Bons
aprenderão a perdoar; maus, incluindo viciados, aprenderão a se
regenerar. Normal que o verbo de
honra seja aprender. A TV não se
manifestará só no mix trash. Sua
pedagogia característica orientará
o visual asséptico dos ambientes,
a articulação de planos certinha.
As pessoas têm de se limpar, clarificar e entender seu caminho -é
o conceito estético. Logo se vê que
nesse cinema há uma proposta de
redenção comunitária negra via
valores enrijecidos.
Só que esse drama familiar com
toques de besteirol tem o terror
como forro: a comicidade na figura da vovó é apenas ilusória. Entre
a flacidez cosmética do rosto e a
voz falseada, o macabro se impõe.
Por seu corpo ressoa "A Hora do
Show", de Spike Lee. O coração
cultural dos EUA é sua máquina
de imagens. Lá de dentro, em trajetos diferentes ("Diário..." como
subproduto ingênuo da TV; "A
Hora..." como crítica mordaz que
tem a TV como plataforma), os
dois filmes manuseiam caricaturas e trazem à tona a reciclagem
de um mito: o da célula familiar
negra como piada anacrônica,
mórbido circo de bonecos assexuados dos anos 20. "Diário..."
propõe redenção comunitária
(meio obscura, é verdade). Só que
rindo junto com essa vovó -peça
do museu da fratura racial americana- implode sua finalidade e
parece nem notar.
Diário de uma Louca
Diary of a Mad Black Woman
Direção: Darren Grant
Produção: EUA, 2005
Com: Kimberly Elise, Tyler Perry
Onde: em cartaz nos cines Shopping D, Penha e circuito
Texto Anterior: Cinema/"Diabo a Quatro": Filha de Joaquim Pedro renova chanchada carioca Índice
|