São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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"DIÁRIO DE UMA LOUCA"

Comédia afro revela-se cúmplice do racismo

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Difícil surgir uma aberração do porte de "Diário de uma Louca". Com elenco e temas afro, se sustenta numa colagem de linguagens trash de TV (pregação religiosa arrebanhadora, novelas da mais mexicana dramaturgia). "A" protagonista é um homem obeso fantasiado de vovó do bairro negro, centro do filme.
Nele, índoles doentes receberão cura, à base de correção e fé. Bons aprenderão a perdoar; maus, incluindo viciados, aprenderão a se regenerar. Normal que o verbo de honra seja aprender. A TV não se manifestará só no mix trash. Sua pedagogia característica orientará o visual asséptico dos ambientes, a articulação de planos certinha. As pessoas têm de se limpar, clarificar e entender seu caminho -é o conceito estético. Logo se vê que nesse cinema há uma proposta de redenção comunitária negra via valores enrijecidos.
Só que esse drama familiar com toques de besteirol tem o terror como forro: a comicidade na figura da vovó é apenas ilusória. Entre a flacidez cosmética do rosto e a voz falseada, o macabro se impõe. Por seu corpo ressoa "A Hora do Show", de Spike Lee. O coração cultural dos EUA é sua máquina de imagens. Lá de dentro, em trajetos diferentes ("Diário..." como subproduto ingênuo da TV; "A Hora..." como crítica mordaz que tem a TV como plataforma), os dois filmes manuseiam caricaturas e trazem à tona a reciclagem de um mito: o da célula familiar negra como piada anacrônica, mórbido circo de bonecos assexuados dos anos 20. "Diário..." propõe redenção comunitária (meio obscura, é verdade). Só que rindo junto com essa vovó -peça do museu da fratura racial americana- implode sua finalidade e parece nem notar.


Diário de uma Louca
Diary of a Mad Black Woman
Direção:
Darren Grant
Produção: EUA, 2005
Com: Kimberly Elise, Tyler Perry
Onde: em cartaz nos cines Shopping D, Penha e circuito


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