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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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ARTES PLÁSTICAS

Pinacoteca apresenta percurso de uma década do artista que surgiu com o ateliê Casa 7, nos anos 80

Miguez coloca a pintura entre parênteses

Divulgação
Pintura recente de Fabio Miguez que exemplifica o uso de cores e elementos geométricos pelo artista e que está em "Deriva", em cartaz a partir de hoje


JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Onde colocar uma forma foi a grande inquietação dos pintores modernos. Equilíbrio, correção e simetria eram perseguidos heroicamente. Em sua trajetória recente, Fabio Miguez vem apostando no desvio, como se pode conferir na exposição "Deriva", com cerca de 40 pinturas, desenhos e fotografias do artista, em cartaz a partir de hoje na Pinacoteca.
Não é que ele tenha abolido a composição, mas certamente esse e outros dogmas foram lavados da superfície de suas telas. Em um primeiro momento, o título da mostra pode confundir, pela sugestão de que a pintura estaria "à deriva": suas formas desviantes em momento algum ficam sem rumo. Nada se perdeu ali, mas a tudo foi dado espaço e oportunidade de descompasso.
Acompanhando em três salas o desdobramento de sua poética, o espectador vê a cor sendo diluída, a luminosidade do branco ofuscando e engolindo tudo a seu redor até que elementos geométricos começam a surgir, primeiro aquarelados, depois incorporando vermelhos e verdes enérgicos.
O percurso, semicronológico, parte de uma pintura de 1991, destoante das demais pela presença excessiva de cores e gestualidade, passa por obras da série fotográfica "Deriva" (1993-94) e telas pequenas de 94, em que a cor começava a rarear, pontua trabalhos de 98 e chega às telas recentes.
Na última sala, pinturas e desenhos deste ano evidenciam o quanto Miguez abandonou o propósito de uma unidade do quadro: a pintura se faz a partir de fragmentos, sejam massas de cores fortes, áreas brancas nas mais diversas tonalidades, linhas ou mesmo elementos colados na tela.
"Sei bem o esforço que o trabalho faz para se livrar de um certo apaziguamento de base, de uma anemia unificadora. As formas fixas, algo geométricas, introduzidas a partir de 2000, a espessura da madeira balsa, a espessura dos tarugos pintados de laranja vieram para oferecer contraste e resistência", observa Nuno Ramos em texto para o catálogo.
De fato, segundo Miguez, esses elementos "geométricos" surgiram no momento em que suas obras beiravam a diluição completa: "As pinturas foram ficando tão brancas que eu precisei tomar uma atitude contrária ao trabalho". As placas de cor imprimiram um ritmo à pintura assim como placas de trânsito pontuam o percurso em uma estrada encoberta por neblina.
Não por acaso, na primeira exposição em que mostrou essas pinturas, em 2001, no Centro Maria Antonia, em SP, Miguez expôs também uma série de dípticos fotográficos em preto-e-branco que contrapunham imagens distanciadas de estrada a barrancos fotografados de perto.
A oscilação entre profundidade e superfície também estava nas pinturas: por trás das placas de cor, estava a fatura diluída das pinturas anteriores. "São dois tempos convivendo, foi um momento muito libertador para a minha pintura", conta.
A partir daí, Miguez passou a considerar cada um desses tempos um fragmento passível de ser organizado na tela, sempre de modo desviante. "O lugar de um quadrado solto na pintura nunca é de todo justificado. E quanto mais a dúvida se põe, mais firme as formas se assentam em seus lugares", escreve o crítico Alberto Tassinari, curador da mostra.
Na pintura mais recente exposta na Pinacoteca, um elemento preto quase gráfico experimentou várias localizações na tela: "Terminei por acomodá-lo no lugar mais absurdo; o lugar que me deixa em dúvida é o lugar que eu escolho".
"É como se fosse uma pintura entre parênteses, em que os elementos vão caminhando para lá e para cá", explica Miguez, que deixa na tela os vestígios dos lugares ocupados por uma forma, fazendo da deriva um processo poético.

DERIVA. Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, Bom Retiro, tel. 229-9844). Quando: abertura hoje, das 11h às 15h; de ter. a dom., das 10h às 17h30; até 28/9. Quanto: R$ 4 (entrada franca aos sábados).


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