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PERFORMANCE
Niilista, "flash mob" é apenas um divertido entretenimento de rua
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
"Desta terra, não quero levar nem o pó." As últimas
palavras da desdenhante Carlota
Joaquina em solo brasileiro ecoaram quarta última, no sapataço
da avenida Paulista, São Paulo.
Dezenas de jovens modernos
ocuparam a faixa de pedestre do
cruzamento com a Augusta às
12h40. Partindo de ambos os lados da rua na direção oposta, interrompem a marcha e se descalçam. Agachados, bateram no
chão com o sapato, durante o
tempo do sinal verde para atravessar. Não se interferiu no fluxo
dos carros, só no dos pedestres.
Os sapateadores seguiam instruções disseminadas pela internet: "Tirar o calçado de um dos
pés, bater algumas vezes no solado (como se tirassem areia do seu
interior), recolocá-lo e seguir em
frente". Repetem procedimento
iniciado no estrangeiro de articular, em poucos dias, performances diversas em espaços públicos,
executadas por voluntários aleatoriamente comunicados por
uma mensagem em circulação.
Chama-se o fenômeno de "multidão instantânea" ("flash mob").
Entretanto, a primeira ocorrência no Brasil diferiu da original, na
Grã-Bretanha, e de outra, em Nova York. Lá os manifestantes se
dispersaram rapidamente, mas
aqui se seguiu uma aglomeração
na calçada do Conjunto Nacional
para entrevistas e poses concedidas à imprensa.
O público notou menos a ação
performática do que o fato de ela
estar sendo sinalizada pela mídia.
A rapidez do ocorrido não permitiu adesões dos desavisados. Alguns passantes, considerando tímido o acontecimento efêmero,
sugeriam: "Tira a calça!".
O niilismo do ato tornou-o entretenimento de rua, qual malabaristas de semáforo. Todos estavam se divertindo. Nenhum vestígio prometia sobrar após a intervenção urbana.
Contudo a eficácia na divulgação torna o evento degrau para similares no futuro. Como depende
da adesão multitudinária, a estratégia performática beneficiou-se
da novidade do assunto perante à
mídia. Quanto ao presente, nenhum grão foi levado.
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