São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 2006 |
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Crítica/teatro/"O Círculo de Giz Caucasiano" Latão celebra Bertolt Brecht
SERGIO SALVIA COELHO CRÍTICO DA FOLHA Cinqüenta anos depois de sua morte, Bertolt Brecht continua de esquerda. Para celebrar o fato, é conveniente que uma montagem marcante venha da Companhia do Latão, que vai fazer dez anos de uma produção que segue com aplicação as estratégias brechtianas, nem sempre bem-sucedida em termos estéticos, mas sem ambigüidades nem concessões. É conveniente também que o texto escolhido para isso seja "O Círculo de Giz Caucasiano", peça de tempos de transição, que se apóia na questão agrária para discutir a responsabilidade histórica de cada um. Na verdade, são três peças combinadas: na segunda, em meio à revolução, a criada Grucha salva o filho do tirano por um impulso de bondade, dividindo com a criança sua miséria. Na terceira, Azdak, o escrivão, garante a lei a seu modo, entre o cinismo e a genialidade, na melhor tradição popular de Gil Vicente, e dá um veredicto exemplar para a questão: quem deve ficar com a criança-terra, quem a possui ou quem cuida dela? Prólogo A primeira história serve de enquadramento: as duas fábulas são apresentadas para celebrar um acordo entre dois grupos que disputavam o mesmo terreno desocupado após a guerra. O fato desse prólogo se referir a fatos de 1947, quando a peça estreou em 1954, cria um teatro dentro do teatro, estranhamento típico do épico. Algumas montagens dispensam a introdução, acreditando que a trama se sustenta por si só. Comprometido com a dialética, o Latão mantém o prólogo e faz a aproximação necessária com a questão agrária atual, isto é, com o MST. Projeta assim um pequeno filme no início, assistido por público e atores, mostrando improvisos dentro do assentamento Carlos Lamarca, com a participação dos atores da companhia literalmente manipulados pelos locais. O recurso "esfria" o começo do espetáculo e soaria demagógico se o grupo mantivesse no palco a escassez expressiva, com um didatismo quase catequético, do filme. Mas não: assim como Brecht se gabava de expressar a miséria em cena com o tecido mais caro, a encenação do Círculo de Giz do Latão tem grandes luxos. E não é só no belo figurino de Fábio Nataname, que assina também o cenário brookiano de elementos essenciais e múltiplos. O luxo está presente na vibrante tradução de Manuel Bandeira, um anticomunista que criou laços de sangue com a poesia desesperada de Brecht, dita com uma aplicação rigorosa. Está no elenco, que gira em torno da preciosa fragilidade de Helena Albergaria. Depois de anos se policiando contra a emoção, Sérgio Carvalho aprendeu a usá-la não como uma concessão ao psicológico, mas como um instrumento preciso e poderoso de reflexão. Assim, as lágrimas de Grucha encontram contraponto não tanto na bonomia de Azdak -sendo o carismático Ney Piacentini simpático demais para inquietar- mas no vigor popular de Cibele Jácome, que vem do Teatro do Pequeno Gesto, assim como outros convidados da Companhia São Jorge de Variedades , Núcleo Argonautas e A Santa Palavra. Esse encontro de companhias acaba sendo mais eficiente para reproduzir o congraçamento do círculo caucasiano que a referência um pouco subserviente ao MST. É vital que o momento histórico atual seja associado à peça, ou estaria enterrado Brecht em sentimentalismo. Mas o Latão poderia confiar que o público é capaz de fazer isso por conta própria, sem um prólogo tão explícito. A sutileza, como eles demonstram, convence mais. O CÍRCULO DO GIZ CAUCASIANO Quando: sex. a dom., às 20h. Até 21/1 Onde: Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700) Quanto: R$ 15 Texto Anterior: Crítica/"Xuxa Gêmeas": Xuxa vem em dobro, mas está mais inofensiva do que nos outros filmes Próximo Texto: Glicério recebe a Mostra Cultural Nós do Centro Índice |
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