São Paulo, Sábado, 17 de Abril de 1999
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É TUDO VERDADE
O documentário "Buena Vista Social Club", de Wim Wenders, é exibido hoje, às 21h, no Estação Vitrine
Cubanos, agora no cinema, voltam a SP

Divulgação
O cantor cubano Compay Segundo, 91, em cena do filme "Buena Vista Social Club", de Wim Wenders


LÚCIA NAGIB
da Equipe de Articulistas

O espectador brasileiro terá a sorte de poder descobrir, ao mesmo tempo, o tesouro e sua história. Na semana passada, o show "Buena Vista Social Club", reunindo vários dos maiores músicos cubanos, foi o ponto alto do Heineken Concerts. E hoje, o documentário de Wim Wenders de mesmo nome narra a gênese dessa extraordinária reunião, na programação do festival É Tudo Verdade.
O fato de Wim Wenders ter chegado a Cuba e seus "soneros" não se deve a um especial faro musical que ele, aliás, possui, mas à sua amizade com o guitarrista e compositor Ry Cooder, que imprimiu seu som nostálgico e levemente "country" nas trilhas de "Paris, Texas" e "O Fim da Violência", ambos do próprio Wenders.
Foi Cooder quem primeiro abriu a arca do tesouro, chegando a Cuba em 1996 com a missão de produzir um CD de músicas cubanas. Mas talvez nem Cooder avaliasse as jóias que encontraria, recuperadas pelo maestro e arranjador Juan de Marcos González. "Estava engraxando o sapato, quando Juan de Marcos apareceu me pedindo para ir cantar algumas coisas no estúdio Egrem", relembra o grande cantor Ibrahim Ferrer, hoje com 70 anos, que estivera abandonado por décadas à sua sorte.
No estúdio, Ferrer encontrou outros antigos companheiros que fizeram a história da música cubana nos anos 40 e 50, mas já há muito esquecidos: o pianista Rubén González, o cantor e violonista Compay Segundo, a cantora Omara Portuondo, o cantor e violonista Eliades Ochoa e todos os outros que fariam do CD "Buena Vista Social Club" um enorme sucesso internacional, com mais de 2 milhões de cópias vendidas e ganhador de um Grammy.
Tendo sido levado a esse paraíso musical por Ry Cooder, é natural que Wenders dê ao amigo destaque no filme, mostrando-o em repetidos closes em que aparece meditativo e com uma aura de grande descobridor. No entanto, como diretor, Wenders prima pela modéstia. Pisando em terreno pouco familiar, esconde-se por completo, deixando que as imagens e, principalmente, a música falem por si.
O filme é composto de uma montagem hábil de imagens dos dois shows que consagraram o grupo: um em Amsterdã, em abril de 1998, e outro no Carnegie Hall, Nova York, em julho de 1998 , entremeadas com cenas de gravações e entrevistas com cada um dos músicos em Havana. É com irresistível fascínio que o espectador descobre a vida humilde desses ilustres anciãos, que elevaram o son, o danzón e o bolero ao sublime.
Compay Segundo conta que aos cinco anos fumou seu primeiro "puro", gentilmente oferecido por sua avó. Omara Portuondo passeia pelas ruas pobres da cidade entoando "Veinte Años", seu bolero de maior sucesso, em coro com os transeuntes. E Rubén González não economiza virtuosismo ao acompanhar ao piano as crianças de um curso de balé.
Evidentemente o estilo road-movie de Wenders se faz sentir. Logo na abertura, Ry Cooder passeia de motocicleta com side-car acompanhado do percussionista Joachim Cooder, como os dois amigos do antigo "No Decorrer do Tempo". E infindáveis travellings redescobrem com a também típica nostalgia romântica wendersiana uma Havana abandonada, com seus carros quebrados, fachadas destruídas, bares roídos de ferrugem.
Nesse clima, é natural que o antigo Buena Vista Social Club, que animava Havana quatro décadas atrás, se transforme em sítio mitológico que ninguém, nem mesmo os músicos que nele se apresentaram conseguem mais localizar.
Mas, ao contrário do vazio interrogativo em que costumam terminar os filmes de Wenders, este se encerra com um renascimento, não apenas da música, mas do contagiante espírito e senso de humor desses afro-cubanos, que, apesar da idade, consideram, nas palavras de Compay Segundo, "as mulheres, as flores e o romantismo" as melhores coisas da vida.


Avaliação:


Filme: Buena Vista Social Club
Direção: Wim Wenders Quando: hoje, às 21h Onde: Estação Vitrine



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