São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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"AUTO DA PAIXÃO E DA ALEGRIA" E "INUTILEZAS"

Montagens estão no teatro Paulo Eiró e no Sesc Belenzinho

Peças celebram a fé no questionamento

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Dois teatros na cidade celebram a fé à moda do teatro: a fé no questionamento e na reinvenção do mundo.
Para fazer essa catequese ao contrário, em "Auto da Paixão e da Alegria", Luís Alberto de Abreu celebra esse catolicismo brasileiro que reinterpreta a Bíblia segundo sua própria fome, que ri quando deve chorar e que chama Deus pelo antinome diante do pão que não comerá jamais.
O que se desestrutura aqui, no meio do caminho entre Nova Jerusalém e Monty Python, é a Paixão de Cristo. Para quem já conhece o universo de Abreu, basta dizer que, nesse episódio, Matias Cão e João Teité (os excelentes Edgar Campos e Luti Angelelli, que comungam a energia de Mirtes Nogueira e a polivalência de Aiman Hammoud) agem enquanto 13º e 14º apóstolos. Mais desconfiados do que Tomé, mas mais pacientes do que Jó, atravessam a Judéia na esperança de que o mestre repita seu primeiro e mais popular milagre, o da multiplicação do pão e do vinho. Mas chegaram tarde e só vão presenciar a última ceia, na qual a comida não foi das melhores.
O que fazer diante de tanta resignação? Rir, emocionar-se, denunciar? A Fraternal Companhia deixa ao gosto do público e conquista pela identificação irônica.
Perde força, porém, quando, na crucificação, não ousa mais rir, perdendo o distanciamento para buscar a catarse. O espetáculo volta ao eixo só quando recupera seu saudável cinismo.
De todo modo, a Fraternal sabe o que é viver da fé, tendo um teatro enorme e distante para encher a cada dia.
A partir de seu mote, "o homem é a utopia de Deus", vai merecer casas de cultura que virão. Por enquanto vale cruzar a cidade para celebrar a alegria.

"Inutilezas"
Em outro ritual, desta vez mais pagão, a palavra do poeta Manoel de Barros, em "Inutilezas", se faz imagem lúdica por intermédio de Moacir Chaves, com sua já consagrada competência para transformar textos não-teatrais em paisagens sonoras irresistíveis.
Em uma ótima associação, Pedro Luís faz a trilha sonora ao vivo, reciclada de sucata, na filiação declarada a Hermeto Pascoal. Bianca Ramoneda escolheu trechos de Manoel de Barros privilegiando o que ele tem de mais lúdico, tirando a solenidade da comparação com Guimarães Rosa para um quintal mais próximo de Monteiro Lobato.
De fato, há algo de Pedrinho nas pausas plenas de Gabriel Braga Nunes, reinventando o mundo, enquanto, em contraponto, Bianca, com seus olhos de retrós, "emilia" (do verbo "emiliar", revisor, conceda-me o contágio). Sai-se do teatro reconciliado com a incongruência do mundo, emocionado pelo simples.
E é para esses pequenos rituais que o teatro foi inventado.



Auto da Paixão e da Alegria
   
De: Luís Alberto de Abreu
Direção: Ednaldo Freire
Com: Fraternal Companhia de Artes e Malas Artes
Onde: teatro Paulo Eiró (av. Adolfo Pinheiro, 765, tel. 5546-0449)
Quando: sex. e sáb.: às 21h; dom.: às 18h; até 29/9
Quanto: R$ 10

Inutilezas
    
De: Manoel de Barros
Direção: Moacir Chaves
Com: Bianca Ramoneda e Gabriel Braga
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915, tel. 6605-8143)
Quando: sáb.: às 21h; dom.: às 20h; até 25/8
Quanto: de R$ 5 a R$ 15



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