São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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RÉPLICA/"DOZE MOVIMENTOS PARA UM HOMEM SÓ"

Espetáculo não adota estética "kitsch-gay"

J.C.VIOLLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se a senhora Inês Bogéa pretendeu, por meio de preconceito, desinformar o leitor, seu objetivo foi alcançado. Se a crítica discorda, gosta ou não gosta de nosso trabalho, nada a declarar. Embora boa parte do texto fale de minha boa forma ou da contribuição prestada à moderna dança brasileira, gostaria de esclarecer: parte do que foi publicado não corresponde à verdade. Há algo de muito grave no trecho em que ela diz que o tom adotado para algumas coreografias é o da "mais desbragada estética kitsch-gay".
1) Na primeira coreografia atingida pela preconceituosa expressão, quem começa na berlinda é um chimpanzé de brinquedo que o visivelmente alterado personagem segura. Dentro do mesmo raciocínio, continua a incompreensível avaliação, pois, vestido com um pijama que mais lembra o uniforme do interno de um manicômio para indigentes, executo uma coreografia baseada nas criaturas anônimas e deficientes mentais fotografados pela americana Diane Arbus. Inspirei-me também no portador de sério distúrbio neurológico, que não tem controle sobre seus próprios movimentos. O que há de kitsch-gay nisso? Cometo algum deslize artístico em minha interpretação? Eu respeito as diversidades e o contexto é impróprio para se fazer caricatura, sobretudo de homossexuais.
2) As coreografias criadas para duas músicas de Tom Jobim vão parar na mesma vala comum do kitsch-gay. Um homem sozinho, vestindo calça preta e camisa de smoking é visto num momento de intimidade masculina. Executo movimentos mínimos retirados do cotidiano. Deito-me num banco, medito, me barbeio, subo numa escada, fico em posição de yoga, levanto um peso, boxeio, esboço passos de uma dança indefinida. Tiro a camisa. Mostrar a intimidade de um homem é prerrogativa de homossexuais?
3) Após a coreografia linear baseada nas pinturas do pintor austríaco Egon Schiele, tiro o figurino, espécie de saia-calça de modelo asiático, e danço a bela canção de Tom Waits vestido com uma sunga atlética, joelheira e tornozeleira. Já vimos de tudo nos palcos modernos: artistas despidos, vestidos, de topless, rezando ou simulando cópulas nas mais exóticas posições. O que há de kitsch-gay na cuidadosa composição mostrada?
O que parece existir por parte de quem escreveu a crítica é um forte preconceito contra o setor gay da sociedade. Ganhamos -de algum deus, ou da evolução darwiniana uma mente pensante. Que seja também usada contra qualquer tipo de preconceito.


J. C. Violla é produtor e intérprete de "Doze Movimentos Para Um Homem Só"

DOZE MOVIMENTOS PARA UM HOMEM SÓ - Onde: Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, tel. 3234-3000). Quando: sex. e sáb.: 21h. Dom.: 19h. Até 1º/9. Quando: de R$ 15 a R$ 30.


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