|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Análise/Seleção de filmes da África
Longas revelam a pluralidade africana
Produções premiadas em festival do continente oscilam entre a influência européia e o registro crítico da realidade da região
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A seleção de 17 títulos
vencedores do Festival
Panafricano de Cinema
e Televisão, realizado desde
1969 em Uagadugu (capital de
Burkina Fasso), suscita uma
questão: existe um cinema africano? Não, da mesma forma
que falar de cinema oriental ou
latino-americano não passa de
uma generalização.
A primeira lição que emerge
da visão de conjunto desses filmes é a variedade (étnica, estética, temática). Trata-se de um
recorte histórico amplo (produções entre 1971 e 2004) que
permite conhecer expressões
de cinematografias locais que
vão desde os países árabes do
norte da África até a África do
Sul, passando pelas nações da
África subsaariana.
Ao fim de duas décadas do
processo de descolonização,
emergiram cineastas interessados em revelar realidades locais
de seus países em filmes que
tanto abordam a força de tradições quanto examinam os efeitos das modernizações.
Para isso, estes cineastas ficaram muitas vezes condicionados por dois fatores: a dependência de co-produções com
países europeus e o fato de terem tido formações em escolas
de cinema européias.
Isso se reflete, em alguns títulos, num efeito limitador
provocado pelas pressões de representações marcadas pelo
exotismo ou acomodadas a
efeitos de linguagem formatados para ocidentais. É o caso,
por exemplo, de "Sarraounia",
da Mauritânia, e de "As Mil e
Uma Mãos", do Marrocos. O
primeiro, dirigido por Med
Hondo, carrega o peso de uma
superprodução e reproduz todos os clichês dos filmes de
aventura. O segundo, dirigido
por Souhel Benbarka, é uma co-produção italiana, o que se reflete no tema e na forma da representação, calcados na fórmula do cinema político-militante que a Itália consolidara
na época de sua realização.
Já outros diretores conseguem escapar dos condicionamentos e compõem filmes e
obras que justificam um verdadeiro interesse. É o caso de
Souleymane Cissé, do Mali, que
tem dois títulos no pacote:
"Baara" (1978) e "Finyé"
(1982). Em ambos, Cissé foca os
efeitos da modernidade e consegue traçar painéis críticos da
lógica da dominação e da corrupção generalizada. Os confrontos subjacentes entre elementos arcaicos e mutações
contemporâneas também marcam "Djeli" (1981), da Costa do
Marfim.
Os impasses da tradição reaparecem em três dos melhores
filmes do conjunto: "Le Wazzou Polygame" (1971), da Nigéria, "Muna Moto" (1975), de
Camarões, e "Tilai" (1990), de
Burkina Fasso. Em todos, a
questão do estatuto da mulher
serve de fio da meada para expor a força remanescente da
sujeição, presente antes, durante e depois da passagem dos
colonizadores brancos.
A África de hoje e os problemas nos quais seus inúmeros
povos se encontram alcançam
uma expressão de impacto universal na obra do diretor da
Mauritânia Abderrahmane Sissako. Dele, a seleção traz um título "Heremakono - Esperando
a Felicidade", que traduz com
perfeição a idéia de provisoriedade e de precariedade sem
precisar apelar ao miserabilismo. Fora da seleção, "Bamako"
coloca em julgamento os protagonistas da globalização e é um
dos mais belos da mostra.
Veja horários e locais de exibição no quadro abaixo.
Texto Anterior: Ricardo Villalobos mostra caminhos para o minimal Próximo Texto: Crítica/"A Questão Humana": Filme critica o mundo corporativo e examina feridas abertas do nazismo Índice
|