São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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Análise/Seleção de filmes da África

Longas revelam a pluralidade africana

Produções premiadas em festival do continente oscilam entre a influência européia e o registro crítico da realidade da região

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A seleção de 17 títulos vencedores do Festival Panafricano de Cinema e Televisão, realizado desde 1969 em Uagadugu (capital de Burkina Fasso), suscita uma questão: existe um cinema africano? Não, da mesma forma que falar de cinema oriental ou latino-americano não passa de uma generalização.
A primeira lição que emerge da visão de conjunto desses filmes é a variedade (étnica, estética, temática). Trata-se de um recorte histórico amplo (produções entre 1971 e 2004) que permite conhecer expressões de cinematografias locais que vão desde os países árabes do norte da África até a África do Sul, passando pelas nações da África subsaariana.
Ao fim de duas décadas do processo de descolonização, emergiram cineastas interessados em revelar realidades locais de seus países em filmes que tanto abordam a força de tradições quanto examinam os efeitos das modernizações.
Para isso, estes cineastas ficaram muitas vezes condicionados por dois fatores: a dependência de co-produções com países europeus e o fato de terem tido formações em escolas de cinema européias.
Isso se reflete, em alguns títulos, num efeito limitador provocado pelas pressões de representações marcadas pelo exotismo ou acomodadas a efeitos de linguagem formatados para ocidentais. É o caso, por exemplo, de "Sarraounia", da Mauritânia, e de "As Mil e Uma Mãos", do Marrocos. O primeiro, dirigido por Med Hondo, carrega o peso de uma superprodução e reproduz todos os clichês dos filmes de aventura. O segundo, dirigido por Souhel Benbarka, é uma co-produção italiana, o que se reflete no tema e na forma da representação, calcados na fórmula do cinema político-militante que a Itália consolidara na época de sua realização.
Já outros diretores conseguem escapar dos condicionamentos e compõem filmes e obras que justificam um verdadeiro interesse. É o caso de Souleymane Cissé, do Mali, que tem dois títulos no pacote: "Baara" (1978) e "Finyé" (1982). Em ambos, Cissé foca os efeitos da modernidade e consegue traçar painéis críticos da lógica da dominação e da corrupção generalizada. Os confrontos subjacentes entre elementos arcaicos e mutações contemporâneas também marcam "Djeli" (1981), da Costa do Marfim.
Os impasses da tradição reaparecem em três dos melhores filmes do conjunto: "Le Wazzou Polygame" (1971), da Nigéria, "Muna Moto" (1975), de Camarões, e "Tilai" (1990), de Burkina Fasso. Em todos, a questão do estatuto da mulher serve de fio da meada para expor a força remanescente da sujeição, presente antes, durante e depois da passagem dos colonizadores brancos.
A África de hoje e os problemas nos quais seus inúmeros povos se encontram alcançam uma expressão de impacto universal na obra do diretor da Mauritânia Abderrahmane Sissako. Dele, a seleção traz um título "Heremakono - Esperando a Felicidade", que traduz com perfeição a idéia de provisoriedade e de precariedade sem precisar apelar ao miserabilismo. Fora da seleção, "Bamako" coloca em julgamento os protagonistas da globalização e é um dos mais belos da mostra.
Veja horários e locais de exibição no quadro abaixo.


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