São Paulo, terça-feira, 20 de dezembro de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Obras no MAM, no Itaú Cultural e na galeria Vermelho pedem envolvimento do público das mostras

Interação movimenta exposições em SP

Bruno Miranda/Folha Imagem
Público interage com obra de Mario Simões, na mostra "Homo Ludens", no Itaú Cultural


GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quem se acostumou com aquela linha riscada nos pisos dos museus indicando a distância permitida entre espectador e obra pode se surpreender ao visitar algumas exposições em cartaz na cidade -no Itaú Cultural, no MAM e na galeria Vermelho. Nesses três espaços, há exemplos de ao menos seis obras que não apenas se valem da interatividade, mas que admitem interferências do espectador na criação do artista.
Mais do que isso: são trabalhos que não existiriam fisicamente caso o espectador não se entregasse à proposta de contribuir com o próprio traço ou ação. Em uma obra de Mario Simões, no Itaú, uma parede onde se lê a frase "Jogue seu corpo contra o meu": para sua concepção, o visitante tem necessariamente de desenhar o contorno de outra pessoa na superfície branca, seguindo a indicação do artista. Do contrário, a parede permanece em branco.
"Se a interatividade fica bem determinada já durante o construtivismo e o concretismo, hoje ela se incorpora cada vez mais à arte contemporânea por meio de experimentações variadas. Para compor a exposição "Homo Ludens", no Itaú Cultural, estive em contato com inúmeros exemplos", explica a curadora da mostra, Denise Mattar.
Em "Homo Ludens", ainda há dois trabalhos que necessitam da ação efetiva do público: na instalação "A Face Oculta", de Paola Terranova, há giz branco espalhado pelos cantos, para que se escreva sobre paredes também brancas. Vale assinar o próprio nome, o que é mais comum, vale escrever um poema, como fazem os visitantes mais ousados.
Ainda no Itaú Cultural, Celeida Tostes participa com "Amassadinhos", uma porção de argila a ser modelada na hora para depois ser exposta em uma vitrine do instituto. "É a obra em que o público participa mais livremente", sintetiza Denise. A participação não foi pouca, e o suporte para as miniaturas em argila já está abarrotado.
No "Panorama da Arte Brasileira 2005" do MAM, outros dois exemplos: "Palavra-Pétala", também de Simões, são rosas sobre uma mesa branca em cujas pétalas o espectador escreve sua mensagem. Em geral, as pessoas deixam seus nomes, mas vale pescar entre as frases algumas preciosidades, como "Chuta que é macumba", escrito por autor anônimo. Mais adiante, ainda no MAM, Caetano Dias exibe um Cristo esculpido em rapadura. O público pode comer pedaços do trabalho, que vai se desmanchando conforme passam os dias.
Na Galeria Vermelho, Marilá Dardot compôs a ambientação de uma biblioteca cujos volumes são doados pelos próprios visitantes. "Por meio da participação, o sujeito ao menos chega em casa e vai refletir sobre os livros que ele tem em sua própria estante", diz ela.
"Não-passividade" e "co-autoria" do público acabam sendo termos amplamente empregados por esses artistas. Se o primeiro termo retira o espectador da posição de contemplador da obra, o segundo vai além, fundamentando sua contribuição. "Minha frustração é não ter conseguido ainda criar algo em que o público tivesse liberdade total de ação, sem que eu impusesse limites", diz Simões.
No caso do "Palavra-Pétalas", por exemplo, o público é livre para escrever o que quiser. "Mas as pessoas têm de obedecer alguns limites impostos por mim. Não é permitido escrever sobre a mesa. No "Jogue o seu Corpo contra o Meu", tentei dar mais liberdade, ao menos no dia da abertura da mostra, e o trabalho se desvirtuou de sua proposta inicial", conta.
A tentativa de permitir que o público agisse livremente sobre a obra, segundo o artista, acabou resultando em rasuras. As pessoas queriam assinar seus nomes e escreviam frases que não tinham conexão com a proposta. "A parede teve de ser pintada para que o trabalho começasse novamente, do princípio", conta Mattar.
O imprevisível acaba se tornando um dos focos principais dessas obras. "Não são trabalhos técnicos, mas muito criativos. O artista dá o tema, mas quem faz mesmo é a gente. Achei legal o resultado [da obra de Mario Simões] porque vários contornos acabaram dando forma à figura de um homem com asas. Aposto que o artista não esperava essa forma", diz a estudante Raquel Jacobs, 13.


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