São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

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ERUDITO

Sob regência de Yuri Temirkanov, a Filarmônica de São Petersburgo toca compositores russos na Sala São Paulo

Profundezas, garoas, excessos e um inglês

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O melhor veio no fim. Bem no fim: nos últimos compassos da "Sinfonia Patética", de Tchaikovski (1840-93), com as cordas graves se perdendo em profundezas. Foi pouco, mas o bastante para registrar na memória o som da Filarmônica de São Petersburgo, que tocou sexta-feira passada, na Sala São Paulo, sob a regência de Yuri Temirkanov.
A pronúncia correta é "Temir-kánov". E ele não estava lá de muito bom humor. Mesmo assim, foi, como sempre, um prazer de se ver, discreto, sem maneirismos, exercendo controle total sobre a música sem se sobrepor a ela. Mas não estava muito feliz - com uma justificativa. O programa abriu com o "Prelúdio" do terceiro ato da ópera "Lohengrin", de Wagner (1813-83), que dura dois minutos e pouco. Bum! Acabou. E a platéia ficou sem saber o que fazer. Quando as palmas vieram, era tarde. Estragaram a noite de Temirkanov, que perdeu a vontade de reger para nós.
Em 1998, quando os russos tocaram no teatro Cultura Artística, era possível escrever que "o prazer que essa orquestra demonstra em fazer música é algo de impressionante", e que ela "deixou a platéia a meio palmo do chão". Dessa vez, o grande momento foi mesmo palmos adentro, nos fundos infinitos de Tchaikovski. E depois no bis, a nona variação ("Nimrod") das "Enigma Variations" de Edward Elgar (1857-1934). Estranhas artes de um inglês: rasgou corações dentro e fora do palco. E isso depois de Tchaikovski!
E de Prokofiev. O prodigioso "Concerto para Piano e Orquestra nš 2" é de 1913, mesmo ano da "Sagração da Primavera" de Stravinski, de "Jeux" de Debussy e do primeiro volume de "Em Busca do Tempo Perdido" de Proust. Prokofiev estava com 22 anos, e se permitia excessos de forma e sentido, que logo -no "Concerto nš 3", por exemplo, que será tocado hoje à noite- aprenderia a moldar. (E o que não aprendeu foi obrigado, depois de 1917; mas isso é outra história, que no caso de Prokofiev parece especialmente cheia de ambiguidades.)
O "Concerto nš 2" é daquelas peças que deixam os dedos da gente doendo, só de ver. O solista Alexander Toradze -nascido na Geórgia (ex-União Soviética), mas radicado nos Estados Unidos há quase 20 anos- tocou tudo com segurança e afinco. Teve vários momentos bonitos, de uma música sonhadora, garoenta, alternando-se com as formidáveis cadências. Curioso: tudo somado, a música não teve peso. Ou melhor: não deixou peso. Espantou. E foi.
No terceiro movimento da "Patética", a Filarmônica deu seu show, claro.
Resumo não exatamente da ópera: foi um bom concerto, de uma venerável e poderosa orquestra, mas não um concerto inspirado. 1998: "espetakularski". 2002: bonski. É a vida. Começos, meios, começos, sem fim.


Filarmônica de São Petersburgo    
Programa: Mussorgski e Prokofiev
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, centro, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 120 a R$ 290, tel. 3258-3344 (Cultura Artística)
Patrocinadores: Bovespa, Telefonica e Votorantim




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