São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2010

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CRÍTICA COMÉDIA

Peça oscila entre o patético e a sobriedade dramática

Montagem combina humor com uma sutil exploração metalinguística

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Quando o cômico se estranha e mira o sublime. "Mão e Pescoço", estreia do jovem dramaturgo e roteirista Elzemann Neves como encenador, propõe-se a ser uma "comédia sombria", mas se revela, afinal, um drama com pretensões mais altas. Este é o terceiro texto para teatro de Neves e já denota um autor empenhado em afirmar um estilo.
Sem armar uma trama fechada, ele trabalha uma situação dramática que confina três personagens arquetípicos no espaço cênico. Leonarda é uma mulher com vocação para amar todos os homens que encontrar e não ser feliz com nenhum.
Visita uma amiga cartomante e logo se vê ameaçada. O novo cliente, "o perigoso falsificador de emoções", aparece para consultar a adivinha. Essas referências são os únicos contornos que demarcam a ação transcorrida.
No mais, o que sustenta o fio narrativo são as falas dessas criaturas e sua presença física em cena.
Quase sempre as interpretações sinalizam uma atitude cômica, que beira o caricato, mas nunca descambam de vez na comédia, guardando sobriedade dramática.
Essa oscilação de registros mantém o espetáculo numa suspensão interessante e é suficiente para levá-lo a bom termo. Contudo, o aproveitamento das tensões geradas é desigual. Quem melhor encarna o espírito do texto e da encenação é Germano Melo, sustentando um discurso ao mesmo tempo franco e cínico do personagem masculino.
Gilda Nomacce tem bons momentos na apresentação da histeria crônica de Leonarda, com gritos repentinos e uma linguagem corporal de contorcionista.
Mageca Angelucci, como a leitora de cartas que projeta ter sido abduzida por extraterrestres, é quem trabalha mais enfaticamente a máscara facial do patético. Por isso mesmo, valoriza menos a ambiguidade que o texto e a encenação nunca suprimem.
A sequência de temas que se repetem espiralados no discurso das personagens -a inconsistência de um sorriso, as características genéticas fatais- culmina numa brincadeira para distrair que abre a ficção a referentes passados: fato ou versão? É o que cada um dos personagens pergunta aos outros depois de narrar-lhes supostos acontecimentos vividos.
Se, por vezes, parece que o dramaturgo não sabe como terminar o jogo proposto, por outras, até pelo que imprime na cena com sua direção, ele combina o humor mais banal com uma sutil exploração metalinguística da própria representação oferecida. É o bastante para sugerir uma promissora expectativa de voos futuros.

MÃO E PESCOÇO

QUANDO sex., às 21h30, sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 19/12
ONDE teatro Augusta (r. Augusta, 943, tel. 3151-4141)
QUANTO R$ 30
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom


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