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JEAN LOUIS STEUERMAN
Um poeta magro da música
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Certo tipo de arte parece um
excesso de si. Justamente
aquela arte mais magra, mais despojada e econômica, onde toda
expressão parece demais, comparada ao que tem a dizer. O pianista Jean Louis Steuerman é um desses poetas magros, perpetuamente em busca da língua essencial da música, como se ouviu segunda-feira, em concerto de inauguração do novo piano Steinway
da cidade, no Espaço Cultural
Bank Boston.
Era um programa só de sonatas
de Beethoven (1770-1827): "Patética" e "Ao Luar" na primeira parte; op. 109 e op. 110 na segunda. A
própria sequência das peças já
mostra o que pode ser a dieta de
meios num compositor tão devotado ao sentido do que compõe.
Nas variações da op. 109, ou na fuga da op. 110, até os temas vão se
convertendo, aos poucos, em
contornos fundamentais, idéias
básicas que estão por trás de tudo
-e que só têm a ganhar com o estilo desafetado de Steuerman.
O uso parcimonioso do pedal
talvez seja o que há de mais característico no seu jeito de tocar; mas
o resultado -um som menos
cheio, com menos mistura e veludo- ainda é só um meio, não um
fim. Articulação, toque, fraseado:
tudo faz parte de uma noção muito pessoal da música, um ritmo
interno das frases, que corresponde, nos detalhes, ao grande ritmo
austero de cada peça inteira.
Os riscos são consideráveis, até
porque não há onde se esconder.
Se alguma escala tiver uma única
semicolcheia menos do que perfeita, desaba. Mesmo nisso não há
uma lição? A ruína pode ser mais
expressiva do que a pilastra, embora com isso traia seu ideal.
Isso significa, também, que um
pianista como ele nos obriga a
uma espécie de dupla escuta: escutar o que ele toca e, ao mesmo
tempo, o que ele não toca, a música a que a música dele quer chegar. Sua arte faz pensar num cineasta como Eric Rohmer, capaz
de transformar o que há de mais
prosaico na vida em filosofia e
poesia; ou então num escritor como John Berger, cronista da experiência crua do mundo.
Alguém vai perguntar se o pianista sabe que está fazendo tanta
coisa. A pergunta não seria legítima nunca (porque ninguém, afinal, controla sua própria arte); e soa menos legítima ainda nesse
caso. Basta lembrar o modo como
ele tocou o início da sonata "Ao
Luar". Ninguém divide os planos
por acaso como ele dividiu -tão
diferente das multidões que tocam a op. 27/2.
Bis: duas "Bagatelas" op. 106, tocadas com disposição leve, gozando todo o engenho da forma. Ninguém escolhe essas peças por acaso; tocar as "Bagatelas" como bagatelas foi mais uma lição, despojada e, afinal, alegre, de um dos
nossos maiores poetas da música.
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