São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

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Crítica/"Algo como a Felicidade"

Diretor tcheco filma geração sem futuro

Bohdan Sláma questiona a falta de perspectivas de um grupo de jovens que vivem na fronteira com a Alemanha

Divulgação
Cena do filme "Algo como a Felicidade", com roteiro e direção do tcheco Bohdan Sláma, que está em cartaz em São Paulo


CRÍTICO DA FOLHA

Certas palavras, quando usadas em título de filmes e romances, indicam que se verá exatamente o contrário. "Felicidade" (1998), do norte-americano Todd Solondz, com seu feixe de personagens a demonstrar que tristeza não tem fim, é um bom exemplo de emprego irônico do substantivo.
"Algo como a Felicidade" (que no original "Stestí", também se chama apenas "felicidade") menciona igualmente esse estado de consciência para destacar a sua ausência, mas é de linhagem mais amarga e poética: ela mora em algum lugar, sugere a trama, e às vezes até se manifesta, só que teima em escapar e se esconder.
O diretor e roteirista Bohdan Sláma, 40, nasceu em Opava, pequena cidade quase na fronteira da República Tcheca com a Polônia. Seu segundo longa-metragem é ambientado em Most, do outro lado do país, mas também em região fronteiriça (com a Alemanha) e de características socioeconômicas semelhantes.
Em resumo: não há muito o que fazer no lugar. As antigas gerações se acostumaram com o cenário e suas possibilidades, mas, para um grupo de jovens que foram amigos de infância, o nome do jogo é falta de perspectivas. Diante das circunstâncias, cada um se vira como pode. Alguns optam pela estratégia Governador Valadares. É o caso do namorado de Monika (Tatiana Vilhelmová), que vai tentar a vida nos EUA. Ela continua a morar com os pais e a trabalhar em um supermercado enquanto aguarda notícias do moço e, quem sabe, uma passagem para encontrá-lo.
Seu amigo de infância Toník (Pavek Liska) trocou a confortável casa dos pais por uma antiga propriedade da família, caindo aos pedaços. Ali, ele e uma tia protagonizam resistência heróica aos novos tempos: fiéis aos valores da vida rural, se recusam a vender o terreno para a indústria onde trabalha o pai de Toník (Martin Huba).
No conjunto habitacional em que boa parte da ação se desenrola mora também Dagmar (Anna Geislerová), mãe de dois meninos e amante de um homem casado (Marek Daniel).
Instável, autodestrutiva e sem dinheiro para sustentar a família, ela exige cuidados cada vez maiores de Monika e Toník.
Sláma apresenta os personagens e seus dramas com paciência que também se exige do espectador para conhecê-los e compreender direito como eles se inter-relacionam. A seqüência que abre o filme, por exemplo, ajuda a estabelecer de cara o tom amargurado, mas seu espaço e tempo só ficarão mais claros bem adiante.

Entrada ao paraíso
Há um bocado de coisas que são ditas - ou mesmo gritadas, no núcleo de Dagmar- e outras que preferem o silêncio, como os sentimentos entre Toník e Monika. Em especial, do primeiro em relação à segunda. Felicidade, para ele, seria alcançar o que tem quase certeza de jamais conseguir.
A danada também apronta das suas com Monika, para quem, por algum tempo, a idéia de se juntar ao namorado nos EUA parece a entrada para o paraíso. Depois, vai se aproximando do que efetivamente é: apenas um jeito de sair do país - que, como o filme se esforça em mostrar, resolve pouco, se é que resolve algo.
A ênfase no trio de protagonistas mais jovens - descontadas as crianças, importantes no contexto de presente e futuro- quase ofusca, nesse filme de excelentes atores e intensos planos-seqüência, a dor profunda que atinge a geração de seus pais. (SÉRGIO RIZZO)


ALGO COMO A FELICIDADE
Produção:
República Tcheca/Alemanha, 2005
Direção: Bohdan Sláma
Com: Pavel Liska e Tatiana Vilhelmova
Avaliação: bom


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