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Crítica/"Algo como a Felicidade"
Diretor tcheco filma geração sem futuro
Bohdan Sláma questiona a falta de perspectivas de um grupo de jovens que vivem na fronteira com a Alemanha
Divulgação
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Cena do filme "Algo como a Felicidade", com roteiro e direção do tcheco Bohdan Sláma, que está em cartaz em São Paulo |
CRÍTICO DA FOLHA
Certas palavras, quando
usadas em título de filmes e romances, indicam que se verá exatamente o
contrário. "Felicidade" (1998),
do norte-americano Todd Solondz, com seu feixe de personagens a demonstrar que tristeza não tem fim, é um bom exemplo de emprego irônico do
substantivo.
"Algo como a Felicidade"
(que no original "Stestí", também se chama apenas "felicidade") menciona igualmente esse
estado de consciência para destacar a sua ausência, mas é de linhagem mais amarga e poética:
ela mora em algum lugar, sugere a trama, e às vezes até se manifesta, só que teima em escapar e se esconder.
O diretor e roteirista Bohdan
Sláma, 40, nasceu em Opava,
pequena cidade quase na fronteira da República Tcheca com
a Polônia. Seu segundo longa-metragem é ambientado em
Most, do outro lado do país,
mas também em região fronteiriça (com a Alemanha) e de características socioeconômicas
semelhantes.
Em resumo: não há muito o
que fazer no lugar. As antigas
gerações se acostumaram com
o cenário e suas possibilidades,
mas, para um grupo de jovens
que foram amigos de infância, o
nome do jogo é falta de perspectivas. Diante das circunstâncias, cada um se vira como
pode. Alguns optam pela estratégia Governador Valadares. É
o caso do namorado de Monika
(Tatiana Vilhelmová), que vai
tentar a vida nos EUA. Ela continua a morar com os pais e a
trabalhar em um supermercado enquanto aguarda notícias
do moço e, quem sabe, uma
passagem para encontrá-lo.
Seu amigo de infância Toník
(Pavek Liska) trocou a confortável casa dos pais por uma antiga propriedade da família,
caindo aos pedaços. Ali, ele e
uma tia protagonizam resistência heróica aos novos tempos:
fiéis aos valores da vida rural, se
recusam a vender o terreno para a indústria onde trabalha o
pai de Toník (Martin Huba).
No conjunto habitacional em
que boa parte da ação se desenrola mora também Dagmar
(Anna Geislerová), mãe de dois
meninos e amante de um homem casado (Marek Daniel).
Instável, autodestrutiva e sem
dinheiro para sustentar a família, ela exige cuidados cada vez
maiores de Monika e Toník.
Sláma apresenta os personagens e seus dramas com paciência que também se exige do
espectador para conhecê-los e
compreender direito como eles
se inter-relacionam. A seqüência que abre o filme, por exemplo, ajuda a estabelecer de cara
o tom amargurado, mas seu espaço e tempo só ficarão mais
claros bem adiante.
Entrada ao paraíso
Há um bocado de coisas que
são ditas - ou mesmo gritadas,
no núcleo de Dagmar- e outras
que preferem o silêncio, como
os sentimentos entre Toník e
Monika. Em especial, do primeiro em relação à segunda.
Felicidade, para ele, seria alcançar o que tem quase certeza
de jamais conseguir.
A danada também apronta
das suas com Monika, para
quem, por algum tempo, a idéia
de se juntar ao namorado nos
EUA parece a entrada para o
paraíso. Depois, vai se aproximando do que efetivamente é:
apenas um jeito de sair do país
- que, como o filme se esforça
em mostrar, resolve pouco, se é
que resolve algo.
A ênfase no trio de protagonistas mais jovens - descontadas as crianças, importantes no
contexto de presente e futuro-
quase ofusca, nesse filme de excelentes atores e intensos planos-seqüência, a dor profunda
que atinge a geração de seus
pais.
(SÉRGIO RIZZO)
ALGO COMO A FELICIDADE
Produção: República Tcheca/Alemanha, 2005
Direção: Bohdan Sláma
Com: Pavel Liska e Tatiana Vilhelmova
Avaliação: bom
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