São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2008

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Crítica/teatro/"A Cabra ou Quem É Sylvia?"

Simples e seca, peça de Edward Albee reafirma força do drama moderno

Rogério Cassimiro/Folha Imagem
José Wilker e Denise del Vecchio durante ensaio de "A Cabra"

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O drama moderno viveu uma crise na passagem do século 19 ao 20.
Cem anos depois do começo do "fim do drama", um espetáculo como "A Cabra ou Quem É Sylvia?" acusa que ainda há vida inteligente naquele planeta supostamente extinto.
O dramático não resiste ali, apenas, pelo fato de o autor do texto que estrutura o espetáculo ser Edward Albee, um dos últimos grandes dramaturgos vivos do século 20. Sobrevive porque, com elementos muitos simples -quatro personagens, uma sala de visita e uma imaginação sem limites-, alcança-se a dimensão trágica e, nela, revela-se aos espectadores a senda de suas próprias misérias.
A trama é seca: o amor de um ser humano por um animal pode acabar com a sua vida e a de seus entes queridos.
Albee nega-se a aceitar a peça como símbolo de uma outra coisa, ausente. Assume que o princípio construtivo foi, exercendo as prerrogativas do poeta dramático, criar a trama mais inacreditável possível e torná-la verossímil. Com esse programa que remete a Aristóteles e parece não ser esgotável, leva seus personagens a uma profundidade abissal. Agora, com requintes formais como o de disfarçar seu drama trágico numa comédia leve.
A despeito do registro instável, o espetáculo percorre uma curva que deságua o destino de algumas vidas na destruição absoluta.
A direção de Jô Soares assume a grandeza do texto e procura não interferir. Adapta algo na tradução, de modo a torná-la mais familiar, e dialoga criativamente com a montagem original da Broadway, de 2002.
Não consegue, contudo, o tênue equilíbrio entre o cômico e o trágico, na medida em que os desempenhos favorecem o riso um pouco além da conta.
O texto provoca gargalhadas inevitáveis, muitas vezes nervosas, que vão se tornando escassas perto do desenlace. Mas sobra na montagem uma comicidade banal e gratuita que valeria eliminar. Albee planta grandes piadas pelo caminho, e não é preciso mais do que isso para se atingir o estado de tensão próprio às suas criaturas, hesitantes entre rir e berrar.

Del Vecchio é destaque
José Wilker encontra um modo brando que o leva do hilário ao patético, e finalmente ao trágico com alguma desenvoltura. A condição de ator famoso, no entanto, gera-lhe uma dificuldade em se fazer reconhecer plenamente como Martin, o personagem que está cavando um fosso imenso na base de sua família, como sugere o seu filho gay, Billy, na pele do aplicado Gustavo Machado.
Denise Del Vecchio faz uma grande personagem, Stella, a mulher traída, com formidável segurança, trabalho de uma atriz madura. Francarlos Reis mantém seu Ross, o melhor amigo de Martin que o trai para salvá-lo, em sobriedade fria.
A cenografia de Isay Weinfeld é inspirada, por vazar o ambiente dramático e, revelando a cortina por trás, evidenciar que se está em um teatro, ainda hospedeiro de ficções. O amor não tem limites, nem a imaginação de Albee. O bode está na sala pronto para o sacrifício.

A CABRA OU QUEM É SYLVIA?
Quando: sex. e sáb., às 21h30; dom., às 19h; até 21/12
Onde: teatro Vivo (av. Dr. Chucri Zaidan, 860, São Paulo, tel. 7420-1520)
Quanto: de R$ 50 a R$ 60
Classificação: não recomendado a menores de 16 anos
Avaliação: bom



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