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MOSTRA ROBERT BRESSON
Diretor busca o cinema sem afetação
Divulgação
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Cena de "Pickpocket", do cineasta francês Robert Bresson, cujos filmes estão em cartaz no Centro Cultural São Paulo a partir de hoje |
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
O cineasta francês Robert
Bresson, cujos filmes são a
atração da preciosa mostra em
cartaz no Centro Cultural São
Paulo, era, antes de tudo, um jansenista. Os jansenistas acreditavam na graça e na predestinação e
tal é a perspectiva com que Bresson contemplava o destino de
suas personagens -a vida, dizia
ele, é feita de acaso e predestinação. Jansenismo é também sinônimo de rigor e austeridade, virtudes que fazem a exemplaridade
da estética bressoniana.
Referindo-se ao estilo neutro de
William Wyler, o crítico André
Bazin cunhou, nos anos 40, o termo "jansenismo da mise en scène". Melhor seria aplicá-lo ao estilo bressoniano: não é senão Bresson quem faz coincidir o máximo
de coeficiente cinematográfico
com o mínimo de mise en scène.
O cineasta não gostava de efeitos nem afetações, queria despojar o cinema do ranço teatral oitocentista. Natural que não gostasse
de atores. Bresson acreditava que
o cinema era capaz de produzir
emoções mais genuínas do que as
exteriorizadas pelos virtuoses da
representação. Não se produz
emoção sem regularidade e comedimento, dizia. Por isso, substitui os atores por "modelos", autômatos que falam o mínimo e da
forma mais neutra possível e
agem de maneira automática.
Da interação entre a mecanicidade do "modelo" e a do meio, o
cinematógrafo, surgiriam emoções verdadeiras. No fundo, manifestações daquilo que Bresson
chamava de "o desconhecido de
nós mesmos". Achava que era
possível chegar à interioridade,
esvaziando as aparências, como
se pudesse neutralizar, pela austeridade (a desdramatização ) e pelo automatismo (a repetição), a
vigência da exterioridade.
Esse momento de revelação
nasceria da relação entre o ritmo
(interno) do filme, dado pela interação quase nunca redundante
entre som e imagem, e o ritmo
(externo) de seus "modelos" autômatos. Tal teoria não foi pensada a posteriori: Bresson foi um
dos raros autores de cinema a ter
conseguido aplicar à perfeição
conceitos elaborados de antemão.
Os autômatos bressonianos não
são personagens, mas seres. Não
são tipos "psicológicos", mas "da
escolha". Há os que, escolhendo o
mal pela primeira vez, perdem a
possibilidade de outra escolha (o
Yves de "L'Argent", por exemplo). Há os incertos ou indiferentes que transitam entre a inocência e o mal sem ter a consciência
da escolha (o Michel de "Pickpocket" e sua incerteza de ser estético) e há os que escolheram Deus
movidos pelo espírito do sacrifício e por uma fé próxima da paixão (Joana D'Arc). São jovens e
foram escolhidos antes de escolherem (tal é a crença jansenista
de Bresson na predestinação).
A escolha é o tema central de
uma certa tradição do pensamento cristão. Em nome dela, a obra
de Bresson esteve entre o cristianismo contraditório de Dostoiévski e o catolicismo inquebrantável de Georges Bernanos.
Do primeiro fez adaptações diretas ("Une Femme Douce", por
exemplo) e indiretas ("Pickpocket" é uma versão de "Crime e
Castigo") e do segundo fez adaptações fiéis ("Mouchette").
MOSTRA ROBERT BRESSON. Quando:
de hoje a 2/4. Onde: Centro Cultural São
Paulo (rua Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611). Quanto: grátis. Hoje: "Les Dames
du Bois de Boulogne" (14h), "Le Procès
de Jeanne D'Arc" (16h), "Pickpocket"
(18h), "Au Hasard Balthazar" (20h). Na
internet: www.centrocultural.sp.gov.br
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