São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004

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ARTES PLÁSTICAS/CRÍTICA

Cordel alimenta poesia de Samico

Divulgação
"João, Maria e o Pavão Azul" (1960), que está na exposição "Samico", na Pinacoteca de São Paulo


FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

"Samico" é retrospectiva sintética. Reúne, na Pinacoteca do Estado, a concisa trajetória do artista pernambucano do desenho à gravura.
Gilvan Samico iniciou-se em arte como autodidata. Porém participou do Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife a partir da fundação, em 1952. O contato com a rede da arte moderna nacional da década de 50 levou-o a ter aulas de gravura com Lívio Abramo, em São Paulo. Em seguida, foi ao Rio de Janeiro estudar com Osvaldo Goeldi.
A volta para Olinda, em 65, aproximou-o do grupo de cultura regionalista que se articulava em torno de Ariano Suassuna. A iniciativa resultou na fundação do movimento armorial em 1970. Desde então, Samico representa o interesse programático dos armoriais pela técnica tradicional de ilustração do romanceiro nordestino popular, o cordel.
O período de formação do artista agrupa-se nas duas primeiras salas. Desenhos a grafite ou nanquim e aquarelas acompanham os primeiros gravados. A mão de ambos os mestres repete-se no aluno. A xilogravura "Lua Cheia" (1959) enfatiza a atmosfera carregada pela impressão predominante de áreas lisas entintadas de preto, cortadas por linhas brancas, à maneira de Goeldi. Nas "Três Mulheres e a Lua" (1959), o luar sobre os planos constrói-se pelo tracejado paralelo e leve, ao estilo de Abramo.
Entretanto a maturidade se inicia com a virada primitivista. A partir de 60, Samico passa a estruturar rigidamente a composição e a simplificar o traço. A "Tentação de Santo Antônio" (1962) cria profundidade pelo uso do branco do papel como estrada elíptica que centraliza a cena de figuras planas.
O interesse do artista pelo cordel, tradicionalmente xilogravado, ampliou o sentido gráfico das obras. A tipografia e a paginação tornaram-se elementos recorrentes a partir do "Apocalipse" (1964) e da "Suzana no Banho" (1966). "Resolvi ir ao texto de cordel", declarou Samico. "Para fazer o que era para fazer mesmo: a gravura de ilustração. A gravura sempre, ou quase sempre, teve esse papel: contar uma história."
O partido narrativo e ilustrativo da produção seguinte exprime-se conforme breve leque de opções combinatórias, desenvolvido com rigor e precisão por 40 anos. A cada momento, repetem-se soluções de equilíbrio clássico, como a verticalidade tripartida de "O Encontro" (1978) e de "A Fonte" (1990). O uso de cores é parcimonioso e chapado, combinando-se com figuras frontais e ornatos simétricos.
A poética das composições alimenta-se do imaginário mítico das trovas de cordelistas. Assim, o espectador poderá acompanhar uma produção contemporânea que se aliou a formas tradicionais da cultura brasileira.


Samico, do Desenho à Gravura
   
Onde: Pinacoteca do Estado de São Paulo (pça. da Luz, 2, região central, tel. 3229-9844)
Quando: de terça a domingo, das 10h às 17h30; até 3/10
Quanto: R$ 4 (grátis aos sábados)



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