São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2007

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"Diretor criou armadilha para si mesmo"

CRÍTICO DA FOLHA

Conversar sobre Kieslowski com o documentarista polonês Krzysztof Wierzbicki, 64, seu colega na Escola de Cinema de Lodz, significa evocá-lo de maneira vívida. Falante e bem-humorado, ele não se contenta em lembrar o amigo apenas na terceira pessoa mas também o imita, recordando frases e expressões de seus 25 anos de convivência.
Wierzbicki foi assistente de direção de Kieslowski em três longas e um curta e participou da realização de diversos outros. Foi ele o responsável pela procura de personagens para "Primeiro Amor" (a partir de 50 adolescentes grávidas) e "O Ponto de Vista de um Guarda Noturno" (com base em 70 pré-selecionados).
Em São Paulo pela segunda vez (a primeira foi na segunda edição do É Tudo Verdade) para exibir "Krzysztof Kieslowski: Eu Estou Mais ou Menos..." (1995), concluído três meses antes da morte do cineasta, Wierzbicki dispensou a ajuda da intérprete e conversou em inglês (ele trabalha também como tradutor de filmes norte-americanos para o polonês) com a Folha. (SR)

 

FOLHA - Você sentiu que Kieslowski tentava dirigir o documentário sobre ele? KRZYSZTOF WIERZBICKI - Ele apenas fez sugestões em uma ou duas situações. Estávamos entre amigos, toda a equipe se conhecia. "Tem certeza de que você quer desse jeito? Posso fazer para você como quiser, não há problema. Mas tem certeza?" Desde o início ele me disse que se comportaria apenas como o objeto do documentário, e foi muito profissional. No primeiro dia, me levou até o armário e mostrou sete diferentes roupas que havia selecionado, para que eu tivesse opções.

FOLHA - Ele parecia realmente inclinado a não filmar mais?
WIERZBICKI -
A palavra de alguém, para Kieslowski, era algo muito importante. Ele não aceitava, por exemplo, que tantos artistas poloneses dissessem uma coisa entre amigos e outra muito diferente, em público, para ficar bem com as autoridades. Sinto que ele criou uma armadilha para si mesmo: dizer que não iria mais filmar significava, para ele, que não haveria possibilidade de voltar atrás.

FOLHA - A busca de personagens para os documentários equivalia à seleção de atores para um filme de ficção?
WIERZBICKI -
Às vezes, ele me dizia sobre um determinado ator de cinema: "Não gosto dele. Ele mente". O princípio era o mesmo. Selecionávamos personagens que estivessem dispostos a se expor e fazíamos entrevistas, testes. Kieslowski se preocupava em notar, nessas ocasiões, se eles pareciam autênticos, verdadeiros. Sentia que o filme não funcionaria com muitos deles porque o espectador pensaria que estariam mentindo.

FOLHA - E o uso extraordinário da câmera?
WIERZBICKI -
Para Kieslowski, a câmera tinha vida. Sério, ele conversava com ela. "Oi, querida câmera, o que você está vendo?". Era assim. Nos primeiros contatos com os personagens, ele a apresentava como se fosse alguém da equipe. "Câmera, este é Fulano. Fulano, esta é a câmera." A câmera nos seus filmes é sempre o olhar do próprio Kieslowski.


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