|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Diretor criou armadilha para si mesmo"
CRÍTICO DA FOLHA
Conversar sobre Kieslowski
com o documentarista polonês
Krzysztof Wierzbicki, 64, seu
colega na Escola de Cinema de
Lodz, significa evocá-lo de maneira vívida. Falante e bem-humorado, ele não se contenta em
lembrar o amigo apenas na terceira pessoa mas também o
imita, recordando frases e expressões de seus 25 anos de
convivência.
Wierzbicki foi assistente de
direção de Kieslowski em três
longas e um curta e participou
da realização de diversos outros. Foi ele o responsável pela
procura de personagens para
"Primeiro Amor" (a partir de
50 adolescentes grávidas) e "O
Ponto de Vista de um Guarda
Noturno" (com base em 70 pré-selecionados).
Em São Paulo pela segunda
vez (a primeira foi na segunda
edição do É Tudo Verdade) para exibir "Krzysztof Kieslowski: Eu Estou Mais ou Menos..."
(1995), concluído três meses
antes da morte do cineasta,
Wierzbicki dispensou a ajuda
da intérprete e conversou em
inglês (ele trabalha também como tradutor de filmes norte-americanos para o polonês)
com a Folha.
(SR)
FOLHA - Você sentiu que Kieslowski tentava dirigir o documentário sobre ele?
KRZYSZTOF WIERZBICKI - Ele apenas fez sugestões em uma ou
duas situações. Estávamos entre amigos, toda a equipe se conhecia. "Tem certeza de que
você quer desse jeito? Posso fazer para você como quiser, não
há problema. Mas tem certeza?" Desde o início ele me disse
que se comportaria apenas como o objeto do documentário, e
foi muito profissional. No primeiro dia, me levou até o armário e mostrou sete diferentes
roupas que havia selecionado,
para que eu tivesse opções.
FOLHA - Ele parecia realmente inclinado a não filmar mais?
WIERZBICKI - A palavra de alguém, para Kieslowski, era algo
muito importante. Ele não
aceitava, por exemplo, que tantos artistas poloneses dissessem uma coisa entre amigos e
outra muito diferente, em público, para ficar bem com as autoridades. Sinto que ele criou
uma armadilha para si mesmo:
dizer que não iria mais filmar
significava, para ele, que não
haveria possibilidade de voltar
atrás.
FOLHA - A busca de personagens
para os documentários equivalia à
seleção de atores para um filme de
ficção?
WIERZBICKI - Às vezes, ele me dizia sobre um determinado ator
de cinema: "Não gosto dele. Ele
mente". O princípio era o mesmo. Selecionávamos personagens que estivessem dispostos
a se expor e fazíamos entrevistas, testes. Kieslowski se preocupava em notar, nessas ocasiões, se eles pareciam autênticos, verdadeiros. Sentia que o
filme não funcionaria com
muitos deles porque o espectador pensaria que estariam
mentindo.
FOLHA - E o uso extraordinário da
câmera?
WIERZBICKI - Para Kieslowski, a
câmera tinha vida. Sério, ele
conversava com ela. "Oi, querida câmera, o que você está vendo?". Era assim. Nos primeiros
contatos com os personagens,
ele a apresentava como se fosse
alguém da equipe. "Câmera, este é Fulano. Fulano, esta é a câmera." A câmera nos seus filmes é sempre o olhar do próprio Kieslowski.
Texto Anterior: Kieslowski mostra seu mundo real em festival Próximo Texto: Kieslowski, o documentarista, em dez filmes Índice
|