São Paulo, sábado, 27 de abril de 2002

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"LUDWIG E AS IRMÃS"

Montagem de Thomas Bernhard aborrece pelo anticonvencional

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O grande inimigo do teatro é o tédio. Não por ser produto de consumo, que deve buscar a novidade até o blefe, mas por ser serviço público, capaz de promover uma outra percepção do cotidiano, o teatro que não chega à platéia está morto, por melhores que sejam suas intenções.
Pois o tédio como fracasso da arte é justamente o tema de "Ludwig e as Irmãs", de Thomas Bernhard, um provocador tornado clássico. A trama é rala: as irmãs de Wittgenstein, atrizes medíocres, tiram o filósofo do hospício para o conforto do lar. Em vez de ficar grato, este se revolta contra o convencionalismo do cotidiano.
Duas longas cenas nas quais as personagens desfiam longas considerações capazes de levar perigosamente ao tédio metalinguístico. Por coincidência, este mesmo texto foi montado no recente Festival de Curitiba por Luciano Alabarse, dentro de uma estética naturalista que, embora incomodasse pelo convencionalismo, era eficaz para que se entendesse a revolta do protagonista.
Agora, esta montagem paulista parte da estratégia oposta: escolhe "não conceder ao prosaico" ao adotar cenário explicitamente falso, com referências aos telões pintados de feira, atrás dos quais se posa para fotos grotescas, referência talvez ao esquematismo com que o texto caracteriza as irmãs.
Os atores se dirigem ao público, seguindo uma marcação repetitiva que caracteriza mais as personagens que as situações, explicitando o artificialismo da representação teatral. É a novidade-blefe do anticonvencional sistemático, que leva ao tédio com a mesma eficiência que o convencional. Talvez seja essa mesma a intenção do diretor: denunciar um esnobe artificialismo em voga no teatro europeu. Mas, como o faz para platéia brasileira, em princípio alheia a essas preocupações, cai no esnobismo também.
Mas seu erro principal não é esse. A montagem naufraga quando propõe o desafio de caracterizar más atrizes a atrizes principiantes. Quando se manifesta enfim Ricardo Blat, este sim com uma técnica capaz de promover a empatia com a platéia, já é tarde demais. Reduzido seu Ludwig a um alter ego do diretor, que "denuncia" à platéia a mediocridade do espetáculo que encena, procura convencer que é sofisticação o cinismo autodepreciativo, mas acaba descambando na auto-indulgência.
Uma leitura inteligente das entrelinhas do texto é neutralizada por sua explicitação por vezes grosseira, em todo caso esvaziadora, de alusões sexuais e políticas. Sem ter sequer o pretexto de uma ideologia política reconhecível sob a qual varrer as imperfeições de sua montagem, o diretor, roubando a cena do autor e dos atores, parece querer denunciar de modo geral a mediocridade que impera na arte. Comprova sua tese fazendo um espetáculo medíocre e tedioso.


Ludwig e as Irmãs  
Texto: Thomas Bernhard
Onde: Centro Cultural São Paulo - sala Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, Paraíso, região sul, tel. 3277-3611, r. 250)
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 20h
Quanto: R$ 12




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