São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2010

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CRÍTICA TEATRO

Sem apelações, peça exalta o universo feminino da favela

Montagem de Mario Pazini tem monólogos baseados em Marcelino Freire

Lenise Pinheiro/Folhapress
As atrizes do grupo Clariô encenam "Hospital da Gente"

CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA

Com mais de dois anos de história, o espetáculo "Hospital da Gente", uma verdadeira ode ao universo feminino da favela, acaba de migrar, para uma curta temporada, do Taboão da Serra para a praça da Sé.
Dirigidas por Mario Pazini, as sete talentosas atrizes que formam o Grupo Clariô de Teatro se revezam na encenação de breves monólogos adaptados de vários livros de Marcelino Freire, entre eles "Contos Negreiros" (Prêmio Jabuti), "Balé Ralé" e "Angu de Sangue".
Resumir as tragédias que assolam as personagens pode resultar em clichês que não traduzem a riqueza desta montagem.
Sob o ponto de vista da periferia, assistimos ao desfile de mulheres marrentas que não se dobram ao sofrimento. Pelo contrário, debocham das próprias mazelas com muita poesia, algum humor e pouco ressentimento. Não há espaço para vitimizações.
"Dão valor demais para o amor", afirma a mãe que doa seus filhos ao criticar o choro daquelas que os levam. Para que se emocionar com um coração que bate se "bom mesmo é pão amassado"?
Frases fortes como essas revelam que há questões de sobrevivência anteriores a qualquer tipo de sentimentalismo projetado de fora para dentro deste universo. Afinal de contas, "o amor só constrói condomínio fechado".
Outro exemplo: uma mãe lava a camisa ensanguentada de seu filho assassinado enquanto discursa contra a opressão de uma fantasia que não lhe pertence: "A paz é que não deixa...".
Em momento mais cômico, uma analfabeta orgulhosa ironiza o assistencialismo distorcido dessa "gente que gosta de salvar pobre": "E capim sabe ler? Escrever?"

APROPRIAÇÃO
No cenário, a estrutura de uma instalação permite ao espectador circular pelo espaço entre os barracos recriados com minúcia por onde se espalham pequenos palcos.
Há um descompasso entre o ambiente ficcional da favela e a realidade mais fria aparente nos mármores e arcos do prédio da Caixa.
Em vez de apontar para qualquer tipo de artificialismo teatral, porém, esta estranheza serve para ressaltar ainda mais que este é um autêntico projeto de apropriação do centro pela periferia.


HOSPITAL DA GENTE
QUANDO de hoje a dom., às 19h30
ONDE Caixa Cultural - Sé, pça. da Sé, 111, tel. 3321-4400
QUANTO grátis (retirar ingressos com uma hora de antecedência)
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo




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