São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Próximo Texto | Índice

Crítica/"Dom Hélder Câmara - O Santo Rebelde"

Documentário privilegia a pregação e esquece a história

Divulgação
Dom Hélder Câmara em cena do filme dirigido por Erika Bauer


MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Um documentário sobre a vida de dom Hélder Câmara corre sempre o risco, bastante compreensível afinal, de se deixar fascinar completamente pela personalidade do retratado. O arcebispo de Olinda e Recife (1909-1999) era puro carisma, envolvimento e simpatia.
Neste filme de Erika Bauer, vemos longas passagens de suas entrevistas na TV e trechos mais longos ainda de palestras feitas por dom Hélder na Europa em meados da década de 70. Falando francês sem inibição, andando de um lado para outro, gesticulando com extrema vivacidade, ele arranca risos e entusiasmo da platéia universitária.
Dom Hélder cita um slogan da Coca-Cola -"isso revitaliza"- para resumir o efeito da aproximação entre a Igreja e as massas; rejeita as acusações de que seu trabalho de promoção social tenha orientação comunista; e, numa atitude cujo impacto, mais de 30 anos depois, não diminui, denuncia abertamente as torturas do regime militar.
Coragem e espírito missionário não apagam o jeito brincalhão do arcebispo. Diz que gosta de tomar Coca-Cola, há imagens suas jogando fliperama com crianças e cumprimentando Ringo Star. Será o beatle? Muitos personagens aparecem sem identificação.
Mais interessado em sua pregação do que na sua circunstância histórica, o documentário apresenta em linhas rápidas a biografia de dom Hélder. Integralista na juventude, Hélder Câmara explica que via nesse movimento uma forma de combater o comunismo, preocupação básica da igreja nos seus anos de formação como sacerdote em Recife.
Chegando ao Rio de Janeiro, abandona a extrema direita e envolve-se em obras de promoção da moradia popular e na organização daquilo que, mais tarde, seriam a CNBB e as Comunidades Eclesiais de Base.

Desinteresse
Ainda que tenha entrevistas com personalidades como Leonardo Boff e Joseph Comblin, estudioso da história da igreja latino-americana, o documentário de Erika Bauer dá poucas indicações das disputas políticas no interior do catolicismo; da "Marcha pela Família" em 1964 à reviravolta conservadora de João Paulo 2º, as razões do crescente ostracismo de dom Hélder são sugeridas, mas pouco esmiuçadas. Quanto a seus opositores, para nada dizer do cenário internacional ou mesmo do ambiente brasileiro, o documentário não dedica nenhum interesse.
Dom Hélder ocupa o documentário praticamente sozinho. O espectador sai convencido de que, se existir um Céu, lá estará dom Hélder cercado de todas as estrelas; quanto ao filme, merece duas.

DOM HÉLDER CÂMARA - O SANTO REBELDE   

Direção: Erika Bauer
Produção: Brasil, 2004
Onde: em cartaz no HSBC Belas Artes


Próximo Texto: Crítica/"A Odisséia Musical de Gilberto Mendes": Papa das vanguardas brasileiras dos anos 60 ganha homenagem afetiva
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.