São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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25ª MOSTRA BR DE CINEMA DE SÃO PAULO

"EN LA PUTA VIDA"

Filme é o maior sucesso de bilheteria do ano no Uruguai, com 140 mil espectadores

"Linda mulher" perde a maquiagem

DENISE MOTA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Imagine que Richard Gere tivesse, em "Uma Linda Mulher", intenções bem menos nobres do que transformar em conto de fadas a vida de Julia Roberts.
Suponha que, na possibilidade de uma vida melhor, ela não só tivesse saído de seu país como se transformado em escrava numa rede de tráfico de mulheres.
Essa é a história real da prostituta uruguaia Elisa, que, a exemplo de sua similar ficcional -e apesar de não ter nem de longe a leveza desta-, chegou ao topo das bilheterias de seu país, ao ser transportada para o longa "En la Puta Vida". O filme, exibido hoje, teve 140 mil espectadores e se converteu no maior êxito cinematográfico deste ano no Uruguai.
Dirigido por Beatriz Flores Silva, 44, conta a história de uma cabeleireira (Mariana Santangelo), mãe de dois filhos, que planeja montar um salão de beleza.
Sem emprego, decide que prostituir-se temporariamente pode ajudá-la a reunir o dinheiro necessário para a empreitada. Conhece um elegante "homem de negócios" (Silvestre) pela qual se apaixona e com quem sonha se casar. Ele a leva à Europa, onde Elisa, romanticamente, espera encontrar uma vida de luxo, mas onde rapidamente será subordinada às regras de uma quadrilha de prostituição internacional.
A trajetória da mulher de 29 anos que foi traficada para a Itália, conseguiu fugir ao esquema e levou a julgamento 23 pessoas -entre as quais o suposto namorado- está registrada no livro-reportagem "El Huevo de la Serpiente", da jornalista María Urruzola, que serve de base ao longa.
A vitória sugere um final feliz, mas não se sabe. A verdadeira Elisa atualmente está desaparecida.
De Trieste (Itália), onde exibia o filme, Beatriz Flores Silva concedeu por e-mail a seguinte entrevista à Folha.

Folha - "En La Puta Vida" deixa implícita a idéia de que a crise econômica causa efeitos especiais às mulheres. É isso?
Beatriz Flores Silva -
Acredito que sim, porque elas estão em maior situação de debilidade, assim como as crianças. Mas há também muitos homens jovens sem horizontes. Não quis fazer um filme feminista, nele todos os personagens são pessoas desesperadas que tentam viver como podem, obedecendo às normas sociais e, ao mesmo tempo, fazendo às escondidas o que desejam, para atender necessidades ou sonhos.

Folha - Por que às escondidas?
Silva -
As normas sociais, para que possam ser cumpridas, acabam gerando conflitos internos nas pessoas. O personagem da prostituta é ideal para mostrar essa contradição que existe nos modelos ditados pela sociedade. Meu filme fala de pessoas (no caso, Elisa) que têm a dignidade de não se resignar à mediocridade da falta de horizontes, ainda que escolham caminhos que a sociedade possa julgar equivocados. Não é uma apologia da prostituição, apenas pretendo mostrar que, por trás de mulheres como Elisa, há sonhos, vontade de oferecer aos filhos um futuro melhor, o desejo da liberdade que o dinheiro dá.

Folha - A sra. teve contato com a verdadeira Elisa?
Silva -
Entrevistei-a durante uma tarde inteira. Um tempo depois, quis voltar a conversar com ela, mas me disseram que havia desaparecido.

Folha - Como foi a adaptação de "El Huevo de la Serpiente"?
Silva -
Muito difícil, porque o livro está centrado na investigação policial, e eu não queria fazer um filme policial. Tomo apenas a trama de uma mulher que tem um caminho diferente das outras. Queria falar de algo que eu soubesse contar. Então fiz uma pesquisa sobre a prostituição dessas jovens, que têm um nível educacional bastante bom e que se lançam a essa aventura por não terem perspectivas para desenvolver um projeto pessoal.

Folha - O que resultou dessa pesquisa?
Silva -
Mudou muito a visão estereotipada que eu tinha sobre a prostituição. Essas jovens lutam, e a luta as mantém vivas. O problema é quando caem em redes de traficantes, porque aí viram escravas. Ninguém se preocupa com elas, estão num limbo jurídico: no Uruguai ninguém faz nada porque elas estão em outro país, e nesse outro país se faz menos ainda, já que são estrangeiras.

Folha - E a mudança de ambientação da história, da Itália para a Espanha, se deu por conta de suas possibilidades de co-produção?
Silva -
Não, tive total liberdade. Decidi filmar em Barcelona por vários fatores: para unificar o idioma do filme, em espanhol; porque se descobriu que na Espanha há uma rede semelhante à narrada no livro; e porque Barcelona me pareceu um cenário fantástico para o estilo do longa.


EN LA PUTA VIDA - Direção: Beatriz Flores Silva. Produção: Uruguai/Bélgica/ Espanha/Cuba, 2001. Com: Mariana Santangelo, Silvestre. Quando: hoje, às 15h05, no Unibanco Arteplex 1.


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