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25ª MOSTRA BR DE CINEMA DE SÃO PAULO
"EN LA PUTA VIDA"
Filme é o maior sucesso de bilheteria do ano no Uruguai, com 140 mil espectadores
"Linda mulher" perde a maquiagem
DENISE MOTA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Imagine que Richard Gere tivesse, em "Uma Linda Mulher", intenções bem menos nobres do
que transformar em conto de fadas a vida de Julia Roberts.
Suponha que, na possibilidade
de uma vida melhor, ela não só tivesse saído de seu país como se
transformado em escrava numa
rede de tráfico de mulheres.
Essa é a história real da prostituta uruguaia Elisa, que, a exemplo
de sua similar ficcional -e apesar
de não ter nem de longe a leveza
desta-, chegou ao topo das bilheterias de seu país, ao ser transportada para o longa "En la Puta
Vida". O filme, exibido hoje, teve
140 mil espectadores e se converteu no maior êxito cinematográfico deste ano no Uruguai.
Dirigido por Beatriz Flores Silva, 44, conta a história de uma cabeleireira (Mariana Santangelo),
mãe de dois filhos, que planeja
montar um salão de beleza.
Sem emprego, decide que prostituir-se temporariamente pode
ajudá-la a reunir o dinheiro necessário para a empreitada. Conhece um elegante "homem de
negócios" (Silvestre) pela qual se
apaixona e com quem sonha se
casar. Ele a leva à Europa, onde
Elisa, romanticamente, espera encontrar uma vida de luxo, mas
onde rapidamente será subordinada às regras de uma quadrilha
de prostituição internacional.
A trajetória da mulher de 29
anos que foi traficada para a Itália,
conseguiu fugir ao esquema e levou a julgamento 23 pessoas
-entre as quais o suposto namorado- está registrada no livro-reportagem "El Huevo de la Serpiente", da jornalista María Urruzola, que serve de base ao longa.
A vitória sugere um final feliz,
mas não se sabe. A verdadeira Elisa atualmente está desaparecida.
De Trieste (Itália), onde exibia o
filme, Beatriz Flores Silva concedeu por e-mail a seguinte entrevista à Folha.
Folha - "En La Puta Vida" deixa
implícita a idéia de que a crise econômica causa efeitos especiais às
mulheres. É isso?
Beatriz Flores Silva - Acredito
que sim, porque elas estão em
maior situação de debilidade, assim como as crianças. Mas há
também muitos homens jovens
sem horizontes. Não quis fazer
um filme feminista, nele todos os
personagens são pessoas desesperadas que tentam viver como podem, obedecendo às normas sociais e, ao mesmo tempo, fazendo
às escondidas o que desejam, para
atender necessidades ou sonhos.
Folha - Por que às escondidas?
Silva - As normas sociais, para
que possam ser cumpridas, acabam gerando conflitos internos
nas pessoas. O personagem da
prostituta é ideal para mostrar essa contradição que existe nos modelos ditados pela sociedade. Meu
filme fala de pessoas (no caso, Elisa) que têm a dignidade de não se
resignar à mediocridade da falta
de horizontes, ainda que escolham caminhos que a sociedade
possa julgar equivocados. Não é
uma apologia da prostituição,
apenas pretendo mostrar que, por
trás de mulheres como Elisa, há
sonhos, vontade de oferecer aos
filhos um futuro melhor, o desejo
da liberdade que o dinheiro dá.
Folha - A sra. teve contato com a
verdadeira Elisa?
Silva - Entrevistei-a durante
uma tarde inteira. Um tempo depois, quis voltar a conversar com
ela, mas me disseram que havia
desaparecido.
Folha - Como foi a adaptação de
"El Huevo de la Serpiente"?
Silva - Muito difícil, porque o livro está centrado na investigação
policial, e eu não queria fazer um
filme policial. Tomo apenas a trama de uma mulher que tem um
caminho diferente das outras.
Queria falar de algo que eu soubesse contar. Então fiz uma pesquisa sobre a prostituição dessas
jovens, que têm um nível educacional bastante bom e que se lançam a essa aventura por não terem perspectivas para desenvolver um projeto pessoal.
Folha - O que resultou dessa pesquisa?
Silva - Mudou muito a visão estereotipada que eu tinha sobre a
prostituição. Essas jovens lutam, e
a luta as mantém vivas. O problema é quando caem em redes de
traficantes, porque aí viram escravas. Ninguém se preocupa com
elas, estão num limbo jurídico: no
Uruguai ninguém faz nada porque elas estão em outro país, e
nesse outro país se faz menos ainda, já que são estrangeiras.
Folha - E a mudança de ambientação da história, da Itália para a Espanha, se deu por conta de suas
possibilidades de co-produção?
Silva - Não, tive total liberdade.
Decidi filmar em Barcelona por
vários fatores: para unificar o
idioma do filme, em espanhol;
porque se descobriu que na Espanha há uma rede semelhante à
narrada no livro; e porque Barcelona me pareceu um cenário fantástico para o estilo do longa.
EN LA PUTA VIDA - Direção: Beatriz
Flores Silva. Produção: Uruguai/Bélgica/
Espanha/Cuba, 2001. Com: Mariana
Santangelo, Silvestre. Quando: hoje, às
15h05, no Unibanco Arteplex 1.
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