São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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"TORMENTO"

Caouette usa vídeo digital para unir cinema e cotidiano

Divulgação
Cena de "Tormento", filme de Jonathan Caouette, que faz montagem de momentos de sua vida


PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

O que se chama de "revolução digital" é muitas vezes confundido com aquela idéia propalada pela turma do Dogma 95: para ser cineasta basta ter uma pequena câmera de vídeo na mão e uma boa idéia na cabeça. O cinema, finalmente, não depende do grande orçamento ou da técnica perfeita! O que não era, convenhamos, novidade.
A "revolução digital" é um conjunto complexo de fatores, com conseqüências variadas, mas talvez a mais importante delas seja uma apontada por Jean-Luc Godard. Com o digital, a imagem não é mais definida pelo seu negativo. Já não há, portanto, "revelação". Com duplo sentido, por favor. O digital, portanto, se oferece ao fluxo, ao imediatismo e a uma exposição que não é ligada a uma verdade que precisa vir à tona.
É bem possível que "Tormento" não seja um grande filme, principalmente se você tiver na cabeça o "cinema" à moda antiga, como ferramenta de investigação da verdade do mundo. Mas ele é um filme que percebe essa nova possibilidade de estabelecer um traço de união definitivo entre cinema e vida -e por isso é grande.
A imagem sempre fez parte da vida de Jonathan Caouette. Ele começou a fazer vídeos caseiros quando tinha 11 anos. Brincadeira que acabou acumulando um amontoado de imagens captadas em VHS, miniDV, Digital 8 e também em super-8, centradas nele próprio ou em sua família (principalmente em sua mãe, Renée LeBlanc). Adulto, ele montou essas imagens somadas ainda a fotografias ou apenas a sons, como gravações de secretárias eletrônicas, e fez um filme, o filme da sua vida. Algo assim: possível, acessível, alternando uma melancolia devastadora (acentuada pela trilha, em que se destaca Nick Drake) a uma alegria transbordante.
"Tormento" não é apenas uma exposição corajosa, até porque a exposição é um elemento banal da "civilização das imagens", disponível em qualquer "reality show". Também não é um filme de montagem -mas de edição, feita diretamente sobre a tela do computador, o que obedece a uma lógica completamente diferente. É um filme da era digital.


Tormento
Tarnation
   
Produção: EUA, 2003
Direção: Jonathan Caouette
Com: Jonathan Caouette, Renée Leblanc
Quando: hoje, às 15h50 (Directv 1); 2/ 11, às 17h (Cinesesc)



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