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"NINGUÉM PODE SABER"
Hirokazu Kore-eda mostra a vida que existe fora da célula familiar
PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O cinema de Hirokazu Kore-eda costuma promover, desde "Maborosi" (95), o desabrochar da vida a partir de eventos
derradeiros como o suicídio. Impulso tipicamente moderno, esse
de ir ao encontro da vida, e que
agora, com "Ninguém Pode Saber", assume novo estatuto ao
creditar vida a partir do esfacelamento familiar.
O que é um tabu sobretudo no
Japão, país que vê na célula familiar um modelo supremo para o
funcionamento orgânico de toda
uma nação. No filme, há quatro
irmãos cuja mãe vai diminuindo a
freqüência no lar até seu completo desaparecimento. Akira, o
mais velho, é o chefe da casa aos
12 anos, cuidando e delegando
funções aos seus maninhos.
Mas a célula familiar, mesmo
frouxa pela má gerência materna,
não deixa de ser uma prisão cheia
de regras e proibições. Daí, após a
partida, o que já era ordem frágil
vira liberalização desenfreada,
com direito a videogame, freqüência vândala no apartamento
e outras ousadias adolescentes.
No abandono, as coisas vão
apertando. Água e luz são cortadas, a comida escasseia, a sujeira
toma conta do lar. Será o momento de avançar pelo espaço proibido da rua. Shigeru, o caçulinha
que nem podia se aventurar na
varanda do apartamento, terá a
chance de virar um espoleta pelas
ruas de Tóquio, por exemplo.
Akira (Yuuya Yagira, Palma de
Ouro em Cannes) puxa a trama
com sua presença quase simbólica, amadurecendo nesse lodaçal
de vidas e vicejando como uma
flor no pântano. Ele é como o presente caminhando para o futuro.
E ainda que haja dor e desolação,
há alegria entre a irmandade.
"Ninguém Pode Saber", enfim,
não segue a dramaturgia corrente
deste tipo de cinema, e o que vemos é uma secura narrativa barrando julgamentos ou choradeiras. As tomadas longas e os momentos de silêncio penumbram o
que está por dentro dos personagens. O que vem aos olhos, então,
é outro traço corrente no cinema
moderno: a superfície dos corpos,
a pele, o suor, as roupas puídas.
E sobre a crise do modelo familiar, que fique claro, é mais um
meio para Kore-eda chegar à luz
da vida do que repetir polêmicas
como a do Nagisa Oshima de "O
Império dos Sentidos".
Ninguém Pode Saber
Daremo Shinarai
Produção: Japão, 2004
Direção: Hirokazu Kore-eda
Com: Yuuya Yagira, Hiei Kimura
Quando: hoje, às 17h40 (Directv 1); 2/
11, às 21h40 (Espaço Unibanco 1); 3/11,
14h (Cine Morumbi 3); e 4/11, às 21h30
(Espaço Unibanco 1)
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