São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

"REVELAÇÕES"

Longa com Anthony Hopkins, baseado em "A Marca Humana", tem erro de elenco que não compromete

Philip Roth faz de "Revelações" um bom filme

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Revelações" , que estreou ontem, sofre de um paradoxo. Como pode um filme que comete o maior erro de elenco da década ser, ainda assim, um grande filme? Porque é baseado num grande livro, "A Marca Humana" (The Human Stain), de um grande escritor, Philip Roth.
O erro de elenco é patético. Anthony Hopkins interpreta um professor filho de negros que nasceu com pele branca e olhos claros. Ele esconde essa condição do mundo desde a adolescência, o que lhe vale uma vida acadêmica e amorosa de sucesso, à custa do rompimento com a família.
Depois de velho e viúvo, se envolve com uma faxineira da universidade da qual um dia foi o reitor. Essa mulher, que nas horas extras também ordenha vacas -uma figura sofrida que perdeu os filhos num acidente e é perseguida e freqüentemente espancada pelo ex-marido, um veterano de guerra-, é interpretada por Nicole Kidman, com suas mãos de porcelana e rosto de boneca.
Apesar disso, a trama é tão bem engendrada, o filme tão bem conduzido por Robert Benton ("Kramer vs. Kramer"), que tudo funciona. A culpa é da obra de Roth.
Lançado em 2000, na ressaca do escândalo Clinton-Lewinski, o romance é um manifesto do autor de "Pastoral Americana" contra a onda politicamente correta que tomou os EUA e foi escancarada durante a descoberta e o conseqüente julgamento público do "affair" do então presidente.
Em 1998, Coleman Silk (Hopkins) é demitido de seu cargo de reitor de uma universidade numa cidade da Nova Inglaterra porque um dia se refere a dois alunos que nunca freqüentaram as aulas como "spooks" -"fantasmas", mas também gíria racista para negro. Só que os dois, por acaso, são negros e processam a faculdade.
A demissão e o pano de fundo na Casa Branca evidenciam o que Coleman sempre pensou de si mesmo, uma "mancha humana" (essa a verdadeira tradução de "The Human Stain", não a mais asséptica adotada pelos tradutores do livro no Brasil), que se refere, ao mesmo tempo, à marca de sêmen deixado por Clinton no vestido azul de Monica Lewinski e à marca de preconceito que o professor carregou a vida inteira e que agora o espectador descobre como é insuportável.


Revelações
The Human Stain
   
Produção: EUA, 2003
Direção: Robert Benton
Com: Nicole Kidman e Anthony Hopkins
Quando: desde ontem, no cine Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito



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