São Paulo, sábado, 31 de julho de 2004

Próximo Texto | Índice

ARTES CÊNICAS/CRÍTICA

Mostra rememora o Balé do IV Centenário nos figurinos e cenários de 'O Mandarim Maravilhoso'

Segall revela o desastre íntimo de cada um

Divulgação
O desenho "Estudo para Personagens - A Jovem e o Malfeitor", de Lasar Segall


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

As cores vão dos terras aos cinzas, dos pretos aos verdes e ocres, dos amarelos aos vermelhos, numa densidade esmaecida, carregada de expressão. Todos os trabalhos de Lasar Segall (1891-1957) para a cenografia e o figurino de "O Mandarim Maravilhoso", feitos em 1954 para o Balé do IV Centenário, estão em primorosa mostra no museu que leva o nome do artista. O projeto expográfico é de Pedro Mendes da Rocha e a concepção de Denise Grinspum, Pierina Camargo, Rosa Esteves e Vera d'Horta.
São Paulo não tinha uma companhia de dança profissional no início da década de 50, quando se resolveu incorporar uma às comemorações de 400 anos da cidade. O projeto era ambicioso: previa a contratação de um diretor artístico europeu, grandes artistas plásticos (Di Cavalcante, Candido Portinari, Clóvis Graciano e Darcy Penteado, Flávio de Carvalho, além de Segall), músicos (Souza Lima, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone e Villa-Lobos) e 50 bailarinos (entre eles Ady Addor, Lia Marques, Marika Gidali, Edith Pudelko, Ismael Guiser e Lia Dell'Ara). Uma grande reunião de talentos inspirada na idéia da "obra de arte total" -como praticada não nas óperas de Wagner, mas sim nos Ballets Russos de Diaghilev.
Mas sua trajetória foi conturbada. O Balé do IV Centenário não estreou em São Paulo (exceto um espetáculo, adaptado no Pacaembu), e, sim, no Rio, porque as obras do Teatro Municipal não ficaram prontas. Só em 1955 São Paulo veria alguns de seus balés na íntegra. Apesar de sua curta duração, o Balé foi um grande marco da história da nossa dança e impulsionou muitos talentos.
Segall fez apenas duas cenografias para balé: "Sonho de uma Noite de Verão", e o "Mandarim"; fez também uma para o texto dramático "Sorte Grande", de Scholem Aleichem (1946).
Cada obra exposta é um universo. São 31 guaches, desenhos aquarelados e a tinta preta, além de fotos das apresentações, maquetes do cenário, o vestido da personagem feminina, a correspondência entre Segall, os organizadores, e o coreógrafo e diretor artístico da companhia Aurélio Milloss, e alguns recortes de jornais da época. Durante todo tempo ouve-se a música de Bela Bartók, uma obra-prima do modernismo, bem conhecida hoje no repertório sinfônico.
Fotografias de Kazmer Richard Sasso S. Pamplona mostram os personagens da trama: a jovem, os malandros e o mandarim (a vítima, que se apaixona pela moça). O estudo dessas personagens, em tinta preta e pena aguada, revela com despojamento o desastre íntimo de cada um. E nos projetos de figurino é quase possível enxergar as formas de expressão do movimento; por exemplo, nos estudos do mandarim, o corpo se dobra sobre si mesmo, deixando à mostra, com um simples gesto, certos traços de caráter.
O cenário tem uma parte fixa nas laterais que compõem a ruela e o quarto da prostituta. O vão central do palco é livre, mas a seqüência de laterais, completada pelos três painéis móveis do fundo, cria um universo de desolação e silêncio. Lá no fundo, são três momentos: a cidade em sépia, ainda bem visível, um bloco no meio da neblina, e uma sugestiva ponte, sob o céu azul. Projetos de cor para o cenário podem ser vistos separadamente, e as maquetes dão uma configuração completa do palco.
Os cenários e figurinos de Segall foram vistos em apresentações (de outras Companhias) em Brescia, Florença (1957) e Perugia (1958). Hoje a dança se foi, no escuro das décadas. Mas ficaram esses desenhos e, neles, o "Mandarim" dança para sempre, cumprindo seu destino de amor no teatro da imaginação.


O Mandarim Maravilhoso
    
Onde: museu Lasar Segall (r. Berta 111, tel. 5574-7322)
Quando: de ter. a sáb., das 14h às 19h; dom., das 14h às 18h; até 5/9.
Quanto: entrada franca



Próximo Texto: Cinema: Cinemateca exibe documentários
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.