São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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MÚSICA ERUDITA

Jean-Jacques Kantorow rege orquestra hoje em programa com obras de Bartók, Mozart e Schubert

Lições dadas pelo professor Gilberto Tinetti

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O mais bonito de tudo foi ver Gilberto Tinetti acolhido na melhor sala, pela melhor orquestra e pela melhor platéia da cidade. Professor de gerações de pianistas (deu aulas na USP por mais de duas décadas), integrante do Trio Brasileiro desde sua fundação, em 1975, e apresentador há mais de 15 anos de um excelente programa na Rádio Cultura, entre tantas outras atividades, Tinetti é um dos músicos de São Paulo que dão vida digna e lúcida a esta terra perpetuamente em transe.
No ano de seu septuagésimo aniversário, ele continua tocando como sempre: com elegância, clareza, fineza de espírito. Sua interpretação do "Concerto nš 23", de Mozart (1756-91), quinta-feira na Sala São Paulo, teve o tom generoso, sem derramamentos, que a experiência às vezes confere à matéria da vida. Dizer que o ponto alto foi o segundo movimento seria uma obviedade, porque é um dos pontos altos da obra inteira de Mozart. Mas Tinetti fez render o "Adagio" com sentido pessoal, mais solto nas melancolias da música aqui do que nas filigranas transcendentais do resto.
Pena que a orquestra não estava tão inspirada, essa noite. Teve até problemas de afinação nos sopros, coisa que a gente já tinha esquecido que existia. Mas palmas para o primeiro fagote (Alexandre Silvério), no diálogo com o piano ao final do "Adagio".
A Osesp parece ter gostado bastante do maestro Jean-Jacques Kantorow. Energético, preciso, expressivo com a túnica preta e cabeleira de poeta, Kantorow (bem conhecido como violinista) conquistou visivelmente a simpatia dos músicos. Não dá para entender, então, por que a orquestra estava tão presa.
Kantorow, de sua parte, gosta mesmo é dos movimentos rápidos, de inteligência faiscante. Exemplo: o "Allegro assai" que fecha o "Divertimento para Cordas" de Béla Bartók (1881-1945). Depois das assombrações, ou prenúncios de dissolução absoluta na música noturna que o precede, o mais comum é o "Divertimento" acabar em anticlímax. Não aqui. Foi tudo rápido e certeiro, como um drible de Puskas.
Mozart, depois de Bartók, é como uma ação de graças, por tudo o que o compositor húngaro fez, e tudo o que foi obrigado a passar, no período medonho em que lhe coube ser europeu. Depois de Mozart, Villa-Lobos (no bis de Tinetti)? A relação aqui é de outra natureza, sugerindo compreensão, e agradecimento mesmo, por tudo o que são 70 anos de vida de músico no Brasil.
E depois disso, o que mais? A "Sexta" de Schubert (1797-1828). Há dois meses a Osesp tocou a "Quinta", no mesmo concerto em que fez a "Sinfonia" de Berio. A "Sexta" está para Beethoven como a "Quinta" para Mozart: é o território da apropriação resolvida. A "Sexta" se equilibra entre o trivial e o sublime, com as marcas da construção à mostra.
Para os padrões da Osesp, e para além dos preciosismos que fazem toda diferença, ficou faltando algo a mais. Mas talvez haja justiça inconsciente nisso. A noite era de Gilberto Tinetti, que recebeu na Sala São Paulo uma aclamação mais do que justa por tantos anos de entrega à cidade e à música.


Osesp    
Programa: Bartók, Mozart, Schubert
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, centro, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 12 a R$ 36




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