|
Texto Anterior | Índice
MÚSICA ERUDITA
Jean-Jacques Kantorow rege orquestra hoje em programa com obras de Bartók, Mozart e Schubert
Lições dadas pelo professor Gilberto Tinetti
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O mais bonito de tudo foi ver
Gilberto Tinetti acolhido na
melhor sala, pela melhor orquestra e pela melhor platéia da cidade. Professor de gerações de pianistas (deu aulas na USP por mais
de duas décadas), integrante do
Trio Brasileiro desde sua fundação, em 1975, e apresentador há
mais de 15 anos de um excelente
programa na Rádio Cultura, entre
tantas outras atividades, Tinetti é
um dos músicos de São Paulo que
dão vida digna e lúcida a esta terra
perpetuamente em transe.
No ano de seu septuagésimo
aniversário, ele continua tocando
como sempre: com elegância, clareza, fineza de espírito. Sua interpretação do "Concerto nš 23", de
Mozart (1756-91), quinta-feira na
Sala São Paulo, teve o tom generoso, sem derramamentos, que a experiência às vezes confere à matéria da vida. Dizer que o ponto alto
foi o segundo movimento seria
uma obviedade, porque é um dos
pontos altos da obra inteira de
Mozart. Mas Tinetti fez render o
"Adagio" com sentido pessoal,
mais solto nas melancolias da
música aqui do que nas filigranas
transcendentais do resto.
Pena que a orquestra não estava
tão inspirada, essa noite. Teve até
problemas de afinação nos sopros, coisa que a gente já tinha esquecido que existia. Mas palmas
para o primeiro fagote (Alexandre Silvério), no diálogo com o
piano ao final do "Adagio".
A Osesp parece ter gostado bastante do maestro Jean-Jacques
Kantorow. Energético, preciso,
expressivo com a túnica preta e
cabeleira de poeta, Kantorow
(bem conhecido como violinista)
conquistou visivelmente a simpatia dos músicos. Não dá para entender, então, por que a orquestra
estava tão presa.
Kantorow, de sua parte, gosta
mesmo é dos movimentos rápidos, de inteligência faiscante.
Exemplo: o "Allegro assai" que fecha o "Divertimento para Cordas" de Béla Bartók (1881-1945).
Depois das assombrações, ou prenúncios de dissolução absoluta na
música noturna que o precede, o
mais comum é o "Divertimento"
acabar em anticlímax. Não aqui.
Foi tudo rápido e certeiro, como
um drible de Puskas.
Mozart, depois de Bartók, é como uma ação de graças, por tudo
o que o compositor húngaro fez, e
tudo o que foi obrigado a passar,
no período medonho em que lhe
coube ser europeu. Depois de
Mozart, Villa-Lobos (no bis de Tinetti)? A relação aqui é de outra
natureza, sugerindo compreensão, e agradecimento mesmo, por
tudo o que são 70 anos de vida de
músico no Brasil.
E depois disso, o que mais? A
"Sexta" de Schubert (1797-1828).
Há dois meses a Osesp tocou a
"Quinta", no mesmo concerto em
que fez a "Sinfonia" de Berio. A
"Sexta" está para Beethoven como a "Quinta" para Mozart: é o
território da apropriação resolvida. A "Sexta" se equilibra entre o
trivial e o sublime, com as marcas
da construção à mostra.
Para os padrões da Osesp, e para
além dos preciosismos que fazem
toda diferença, ficou faltando algo
a mais. Mas talvez haja justiça inconsciente nisso. A noite era de
Gilberto Tinetti, que recebeu na
Sala São Paulo uma aclamação
mais do que justa por tantos anos
de entrega à cidade e à música.
Osesp
Programa: Bartók, Mozart, Schubert
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, centro, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 12 a R$ 36
Texto Anterior: Cinema: Ciclo mostra cineastas no banco da escola Índice
|