São Paulo, terça, 2 de dezembro de 1997.



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OPINIÃO
O que devemos saber sobre o escargot

PEDRO PACHECO

MARIA DE FÁTIMA MARTINS

A pesquisa com escargot na USP (Universidade de São Paulo) começou em 1994, com a criação do Heliciário Experimental, no então Departamento de Produção Animal da FMVZ (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia), situado no campus de Pirassununga, interior paulista.
O objetivo do Heliciário Experimental é desenvolver pesquisa em nutrição, manejo, reprodução, seleção de matrizes altamente produtivas e produtos para uso farmacológico.
A escolha de uma espécie africana, a achatina fulica, foi em função da rusticidade, da prolificidade e da precocidade para o clima tropical do país.
Ele pode ser abatido entre 70 e 90 dias. Quando abatido jovem, sua carne pode muitas vezes apresentar características superiores às espécies européias, como constatado por pesquisadores ingleses.
As pesquisas desenvolvidas na USP propiciaram a obtenção de formulações que geram elevado ganho de peso. Para cada quilo de ração consumido temos um quilo de escargot.
Outra descoberta importante: a densidade de animais é, depois da alimentação, um dos fatores mais relevantes para o ganho de peso. Igualmente importante é o emprego de terra no piso dos criatórios, que pode propiciar ganho de peso até 30% superior aqueles sem terra, além de antecipar o período reprodutivo.
Outra espécie se encontra em estudo. É a achatina monocromática, cuja concha e a carne são totalmente brancas.
A França possui legislação para o abate de achatina fulica desde 1957. Temos informações de que na década de 80 a carne dessa espécie representava 26% do mercado francês de carne de escargot.
Na Europa e na Ásia, a espécie é alimento dos camponeses. Em Gana, na África, é a proteína mais consumida pela população. Na Indonésia, é empregada na ração de frangos de corte, em substituição à farinha de peixe.
A Itália possui 6.600 fazendas profissionais de escargot, mantidas em parques ao ar livre.
Países como a Grécia, a Polônia e a Turquia coletam toneladas de escargot para exportação.
Os países africanos recebem apoio da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) para o desenvolvimento de criações em parques com piso de terra.
Na França, a criação de escargot é dividida em diferentes etapas. Somente na fase de reprodução os animais ficam em piso limpo. Isso facilita a coleta de ovos. Durante o resto de suas vidas, os escargots são criados em parques com piso de terra.
Ficamos estarrecidos com a afirmação divulgada pela imprensa de que "o escargot criado com minhocas e solo pode propiciar a contaminação por botulismo".
O professor de microbiologia da USP Rogério Lacaz comentou que "desconhece qualquer relato da comunidade científica que relacione criação de escargot com botulismo".
Ele aproveitou a oportunidade para ressaltar que precisamos buscar respaldo nas pesquisas e nos fatos, antes de comentá-los nos grandes meios de comunicação.
Dessa forma, diz o professor, evitaríamos os prejuízos por parte daqueles que buscam trabalhar seriamente e com competência.
Não menos surpresos ficamos com afirmações a respeito de um "novo método de criação em caixas plásticas sem terra".
As pessoas que fazem tais afirmações estão desinformadas, pois criações em caixas não são viáveis para grandes produções, muito menos em piso sem terra, pois demandam muita mão-de-obra.
Caixas plásticas se prestam somente para pesquisas de curto período de tempo.
O método não funciona para criações comerciais, que têm por objetivo grandes produções.
Também temos conhecimento de "invenções" de instalações totalmente absurdas, que não levam em consideração a biologia dos animais ou fatores econômicos.
Existem ainda os pseudocriadores que orientam outros na construção de parques azulejados, ou de caixas de fibra de vidro com controle de temperatura.
Além de absurdo, é desnecessário, pois eleva os custos das instalações e do produto final.
O mercado mundial para a carne de escargot se mostra extremamente promissor.
Acreditamos que o principal concorrente para o Brasil sejam os franceses, que são os maiores consumidores, compradores e vendedores de escargot.
O produto para o mercado externo deve ser enlatado, pois congelado conseguiria um valor menor.
Além disso, os valores de frete aéreo são elevados, o que inviabilizaria a criação.


Pedro Pacheco, 40, engenheiro florestal, é pesquisador da FMVZ da USP de Pirassununga (SP).

Maria de Fátima Martins, 38, veterinária, pesquisadora da FMVZ da USP de Pirassununga.



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