São Paulo, quarta-feira, 01 de fevereiro de 2006

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ELIO GASPARI

Deram os dedos para preservar os anéis

Quando o líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Magalhães, disse que "se é para punir caixa dois, tem que punir todo mundo", associou o tucanato ao que há de pior no mandarinato petista. Essa conta os doutores José Serra ou Geraldo Alckmin vão carregar durante a campanha eleitoral. Numa variante, ela soa assim: "Se é para falar de caixa dois, tem que falar de todo mundo, inclusive de nós".
Trata-se de um truque pobre. Como o delito não foi cometido só pelo delinqüente flagrado na malfeitoria e como não podemos (ou não queremos) punir todos os outros, deixem-no em paz. É a lógica de quem manda. Sempre que a lei chega ao andar de cima, cessa seu efeito e os poderes da República devem ser usados para preservar o malfeitor. A generalização destina-se a resolver o problema do delinqüente, nada mais.
Na pizza-companheira, Lula (que não sabia de nada), pode entrar com a farinha e a mussarela, mas os tucanos decidiram ficar com o orégano e o tomate. Não haverá pizza sem um ou sem o outro. Sem o PSDB, Lula prepara, no máximo, um miserável sanduíche de queijo.
Caixa dois é crime tributário. Centenas de milhares de brasileiros vivem na informalidade, azucrinados por fiscais achacadores e meganhas corruptos, porque vendem melancias, prestam pequenos serviços ou oferecem badulaques nas ruas. Esses trabalhadores não pagam impostos, mas gastam o seu ganho em Pindorama. São o caixa dois da senzala. Nada tem a ver com as contas da casa-grande e dos grão-marqueteiros de contas caribenhas. Numa só campanha, esses espertalhões superfaturam e sonegam mais impostos do que todos os camelôs do Rio, de São Paulo e de Salvador num ano. Se é para punir caixa dois tem que punir todo mundo? Então parem de punir a caixa do andar de baixo. Afinal, como bem sabem os candidatos, camelô vende barato. Quem cobra caro é marqueteiro.
O Brasil tem um presidente que nunca soube de nada. Nem mesmo que alguns companheiros e um compadre transferiram-no da casa onde morava para uma cobertura boca-livre. Um dia, tchan, chegou a São Bernardo e descobriu-se reassentado. Em relação a isso, pouco há a fazer, mas Pindorama não é habitada por néscios. Ao se acumpliciar com a pizza petista para anistiar um naco de seu caixa dois, cimentando uma aliança com o PFL, o PSDB toma o caminho da cumplicidade premiada. Em vez de colaborar com a Promotoria, decide proteger os réus.
Daqui até outubro pouco poderá acontecer de ruim ao PT e ao seu candidato a presidente. Três CPIs e um ano de pelourinho não estabeleceram a verdade, mas deram aos companheiros o direito de desafiar: "Cadê as provas?" O telhado de vidro espatifou-se, mas as pedras foram guardadas. Com o PSDB e seu candidato, ocorrerá o contrário: daqui até outubro muitas coisas ruins acontecerão.
O PT dizia que era diferente dos outros partidos. Veio a oposição e mostrou as delúbias maracutaias dos companheiros. Lula defendeu seu governo dizendo que nada se fez de novo no universo da corrupção eleitoral. As roubalheiras não eram apenas um produto das campanhas eleitorais, mas a oposição acreditou que poderia sangrar o PT sem sofrer um só arranhão. Preservou seus malfeitores e tornou-se um caso raro de madame que, para salvar os anéis, entrega os dedos.


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