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São Paulo, sábado, 01 de março de 2003

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VIDA DE SOCIÓLOGO

Ex-presidente critica o fato de agenda comercial para a Alca ser a maior preocupação norte-americana na região

AL pode perder fé na democracia, diz FHC

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou ontem em Washington o fato de a agenda comercial para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) ser a maior preocupação dos Estados Unidos em relação à América Latina hoje.
"O risco de os Estados Unidos concentrarem sua visão apenas no comércio é empurrar países como o Brasil para o isolamento. Já que somos vistos apenas como mercado, podemos chegar à conclusão de que a integração não nos interessa", disse.
A estratégia norte-americana, diz FHC, pode se voltar contra os próprios EUA. "Muitos latino-americanos estão perdendo a fé no que a democracia pode trazer de benefícios a seus países", diz.
FHC participou do lançamento do relatório do Inter-American Dialogue, centro de estudos dos problemas das Américas, do qual é co-presidente desde janeiro. O documento traça um quadro bastante pessimista para a América Latina e o Caribe. Para a Venezuela, por exemplo, prevê a hipótese de um "conflito sangrento".
O relatório salienta que o crescimento medíocre e a pobreza na região podem levar à "tentação" de eleitores e governos adotarem "modelos falidos do passado".
Para FHC, a atual configuração dos mercados e da globalização, liderada pelos EUA, diminuiu sensivelmente a margem de governabilidade dos países latino-americanos. "Há hoje restrições fiscais, dívidas enormes e seus pagamentos e, em cima de tudo isso, uma liberdade de fluxo de capitais sem nenhum organismo de controle em momentos de crise", disse. "Essas restrições são hoje uma grande ameaça à democracia."
Como exemplo, citou os aumentos nas taxas de juros promovidos pelo governo Lula. "Ele tomou as medidas que tomou porque não tinha caminhos."
O relatório constata que a situação econômica e social da América Latina se deteriorou rapidamente em quase todos os países. E afirma que o presidente norte-americano, George W. Bush, "não está decisivamente engajado nos desafios do Hemisfério".
FHC diz que as preocupações norte-americanas deveriam se concentrar no combate à pobreza, no fortalecimento da democracia e em abrir o acesso dos países mais pobres ao mercado americano. "Precisamos de relações mais igualitárias. A globalização está sendo unilateral", afirma.

Preço
O ex-presidente diz também que até nos EUA a democracia corre risco. "O preço que o país vai pagar por sua política interna de combate ao terrorismo, com restrições aos direitos civis, é uma decisão muito problemática."
Comentando atos unilaterais dos EUA, afirma que eles não "deveriam agir como se pregassem uma coisa e fizessem outra".
Sobre a pressão norte-americana nas Nações Unidas por uma guerra contra o Iraque, disse que o desfecho do caso será um teste para organismos internacionais como a ONU. "É muito difícil falar em democracia quando um país age sem respeitar as regras da lei. Nós estamos correndo um risco nesse caso", disse.


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