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JANIO DE FREITAS
A lição da vizinha
Militares e civis argentinos foram igualados para todos os efeitos da cidadania;
é um avanço de civilização
O ACASO cuidou de dar ao contraste o realce de um pormenor histórico muito especial.
Em tantos dias de elaboração do documentário sobre Manuel Fiel Filho, companheiro de classe operária
do então metalúrgico Lula, na quinta-feira 26 o hoje presidente Lula
gravou para o filme a sua primeira
definição pública sobre a tortura e
os assassinatos, como o de Fiel Filho, nos quartéis da ditadura: subscreveu a impunidade absoluta para
os torturadores e assassinos.
Por
justa coincidência, na mesma quinta
26 a Argentina, onde numerosos repressores e mesmo ditadores/"presidentes" estão condenados e presos, pôs em vigência o feito mais extraordinário dos dois governos
Kirchner: os militares acusados de
delitos (futuros) passam a ser julgados pela Justiça Federal e pelo Código Penal, como os civis, e não mais
sob o privilégio corporativista de
uma Justiça Militar. Militares e civis
foram igualados para todos os efeitos da cidadania.
É, em relação a
qualquer parte do mundo, um avanço de civilização no sentido mais poderoso dessa palavra.
O argumento de Lula para defender o acobertamento dos criminosos da ditadura, como expôs para o
cineasta Jorge Oliveira, é de que a
Lei da Anistia precisa ser respeitada
porque foi aprovada pelo Congresso.
Se a aprovação parlamentar de uma
lei a tornasse definitiva e imutável,
como se explicaria que a Câmara e o
Senado, desde a primeira posse de
Lula, estejam sempre entupidos de
medidas provisórias que alteram
leis aprovadas pelo Congresso?
Nem se trata, porém, de alterar sequer uma vírgula da Lei de Anistia
criada pelo sistema militar para proteger seus criminosos, sob a roupagem de "perdão" às suas vítimas que
sobreviveram. Como o persistente
ministro Paulo Vannuchi, de Direitos Humanos, tem sustentado no
governo com a aliança do ministro
da Justiça, Tarso Genro, necessário
é o reconhecimento de que tortura e
assassinato são crimes comuns, não
crimes políticos. E, portanto, não
beneficiados pela anistia aprovada
para reais ou alegados crimes de ordem política.
Se a posição e o argumento de Lula decorrem de convicção, no entanto contraditada por sua prática diária de governo, ou decorrem de pusilanimidade, não faz diferença para o
essencial. São os mesmos os resultados moral e de relação com a justiça
implícita nos direitos humanos e de
cidadania. Concepções em que a Argentina -agora acabando também
com a punição à homossexualidade
de militares- está tão adiante do
Brasil, que o cargo correspondente,
lá, ao do armamentista Nelson Jobim é exercido por uma mulher. A
Nilda Garré, ministra da Defesa, deve-se grande parte da lição civilizatória argentina, que ela sintetiza
nesta formulação simples:
"Os militares, em um Estado democrático de Direito, são cidadãos
antes de qualquer outra condição. E,
como militares, devem ser vistos e
considerar-se como servidores públicos especialistas em defesa nacional".
Lula prefere os homens dos porões. Ou das cavernas.
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