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CELSO PINTO
A outra conta do déficit
Por todos os lados que se leia o
resultado fiscal do ano passado,
ele parece um desastre. Exceto,
talvez, por um deles, que merece
melhor qualificação.
Trata-se da variação do estoque da chamada "dívida líquida"
do setor público, que mede tudo o
que o setor público deve, interna
e externamente, menos tudo o
que tem a receber. O tamanho da
dívida líquida e, principalmente,
sua trajetória é um bom indicador do risco de o governo, no futuro, não ser capaz de saldar suas
dívidas.
O que aconteceu em 97 foi que o
déficit total produzido no ano foi
de R$ 52,4 bilhões. O estoque da
dívida líquida, contudo, cresceu
apenas R$ 37,3 bilhões. Ou seja, o
estoque da dívida líquida subiu
R$ 15,1 bilhões menos do que o
fluxo do déficit no ano.
O dinheiro da privatização,
embora tenha sido torrado pelos
Estados em gastos correntes, certamente ajudou também a liquidar algum estoque de dívida. A
forma como o mercado olha a
variação da dívida líquida, contudo, não é apenas em termos
absolutos, mas, principalmente,
em termos relativos, isto é, como
proporção do PIB.
Medida dessa forma, a variação
da dívida líquida depende não só
da variação do déficit público no
ano, mas também da variação do
PIB. Quanto mais crescer a economia, menos vai crescer, em termos relativos, a dívida líquida.
Olhando esse indicador no ano
passado, o resultado foi menos
desastroso. A dívida líquida
equivalia a 33,3% do PIB em 96 e
saltou para 34,3% em 97. Quer
dizer, cresceu 1% do PIB, em termos relativos, o que é ruim, mas
menos dramático do que o crescimento do déficit ao longo do ano.
Existe, ainda outro aspecto a
considerar, observado pelo economista Fábio Giambiagi, do
BNDES. Para calcular o impacto
do estoque da dívida líquida sobre o custo futuro do setor público, ele deduz do total a parte financiada por emissão de base
monetária. A razão é simples:
emitir dinheiro não custa nada
para o governo, ainda que emitir
muito dinheiro possa levar a um
risco inflacionário.
Em 96, o estoque de base monetária na dívida líquida equivalia
a 2,4% do PIB. No final de 97,
tinha saltado para 3,6% do PIB.
Em outros termos, a emissão de
moeda, via base monetária, financiou o equivalente a 1,2% do
PIB.
Existem duas explicações para
o salto nas emissões de moeda no
ano passado. Houve um primeiro
salto no início do ano, especialmente em fevereiro e março, que
pode ser explicado pela introdução do imposto do cheque
(CPMF). O novo imposto tornou
negativa ou irrisória a remuneração dos fundos de curto prazo nos
bancos. Em consequência, muita
gente tirou dinheiro dos fundos e
deixou em depósitos à vista, fazendo crescer a base monetária.
O outro salto foi em dezembro,
de 24%. Nesse caso, os dois maiores fatores de expansão estão ligados à crise da Ásia de outubro.
Um foi a assistência de liquidez
aos bancos, de R$ 2,1 bilhões. O
outro foi resgate de títulos da dívida pública, de R$ 9,7 bilhões.
O resgate aconteceu porque
houve perda de reservas, o que
provocaria uma contração monetária equivalente se o Banco Central não tivesse compensado resgatando títulos seus e dando,
com isso, liquidez aos bancos. Foi
o que o BC fez, ajudando a provocar um salto na base monetária.
Que conclusões se podem tirar?
Olhando apenas o resultado do
ano passado, pode-se dizer que
uma parte relevante da dívida
líquida foi financiada a custo zero no ano. Comparando o estoque de dívida líquida de 96 e de
97, excluindo a parcela financiada pela base monetária, houve
uma redução de 30,9% do PIB
para 30,7% do PIB.
Olhando o futuro, contudo,
existem duas más notícias. A recuperação de reservas, neste início de ano, deve exigir um aumento da emissão de títulos do
governo para evitar uma expansão monetária exagerada. Ou seja, sai o financiamento barato e
volta o financiamento caro.
A outra razão de preocupação é
que o dinheiro da privatização é
temporário, como lembra Giambiagi. Dura mais três ou quatro
anos. Desde 96, o governo deveria
estar aproveitando essa ponte gerada pelo dinheiro da privatização para reduzir o estoque de dívida líquida e não fazê-lo crescer
1% do PIB, como no ano passado.
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