São Paulo, domingo, 1 de março de 1998

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CELSO PINTO
A outra conta do déficit

Por todos os lados que se leia o resultado fiscal do ano passado, ele parece um desastre. Exceto, talvez, por um deles, que merece melhor qualificação.
Trata-se da variação do estoque da chamada "dívida líquida" do setor público, que mede tudo o que o setor público deve, interna e externamente, menos tudo o que tem a receber. O tamanho da dívida líquida e, principalmente, sua trajetória é um bom indicador do risco de o governo, no futuro, não ser capaz de saldar suas dívidas.
O que aconteceu em 97 foi que o déficit total produzido no ano foi de R$ 52,4 bilhões. O estoque da dívida líquida, contudo, cresceu apenas R$ 37,3 bilhões. Ou seja, o estoque da dívida líquida subiu R$ 15,1 bilhões menos do que o fluxo do déficit no ano.
O dinheiro da privatização, embora tenha sido torrado pelos Estados em gastos correntes, certamente ajudou também a liquidar algum estoque de dívida. A forma como o mercado olha a variação da dívida líquida, contudo, não é apenas em termos absolutos, mas, principalmente, em termos relativos, isto é, como proporção do PIB.
Medida dessa forma, a variação da dívida líquida depende não só da variação do déficit público no ano, mas também da variação do PIB. Quanto mais crescer a economia, menos vai crescer, em termos relativos, a dívida líquida.
Olhando esse indicador no ano passado, o resultado foi menos desastroso. A dívida líquida equivalia a 33,3% do PIB em 96 e saltou para 34,3% em 97. Quer dizer, cresceu 1% do PIB, em termos relativos, o que é ruim, mas menos dramático do que o crescimento do déficit ao longo do ano.
Existe, ainda outro aspecto a considerar, observado pelo economista Fábio Giambiagi, do BNDES. Para calcular o impacto do estoque da dívida líquida sobre o custo futuro do setor público, ele deduz do total a parte financiada por emissão de base monetária. A razão é simples: emitir dinheiro não custa nada para o governo, ainda que emitir muito dinheiro possa levar a um risco inflacionário.
Em 96, o estoque de base monetária na dívida líquida equivalia a 2,4% do PIB. No final de 97, tinha saltado para 3,6% do PIB. Em outros termos, a emissão de moeda, via base monetária, financiou o equivalente a 1,2% do PIB.
Existem duas explicações para o salto nas emissões de moeda no ano passado. Houve um primeiro salto no início do ano, especialmente em fevereiro e março, que pode ser explicado pela introdução do imposto do cheque (CPMF). O novo imposto tornou negativa ou irrisória a remuneração dos fundos de curto prazo nos bancos. Em consequência, muita gente tirou dinheiro dos fundos e deixou em depósitos à vista, fazendo crescer a base monetária.
O outro salto foi em dezembro, de 24%. Nesse caso, os dois maiores fatores de expansão estão ligados à crise da Ásia de outubro. Um foi a assistência de liquidez aos bancos, de R$ 2,1 bilhões. O outro foi resgate de títulos da dívida pública, de R$ 9,7 bilhões.
O resgate aconteceu porque houve perda de reservas, o que provocaria uma contração monetária equivalente se o Banco Central não tivesse compensado resgatando títulos seus e dando, com isso, liquidez aos bancos. Foi o que o BC fez, ajudando a provocar um salto na base monetária.
Que conclusões se podem tirar? Olhando apenas o resultado do ano passado, pode-se dizer que uma parte relevante da dívida líquida foi financiada a custo zero no ano. Comparando o estoque de dívida líquida de 96 e de 97, excluindo a parcela financiada pela base monetária, houve uma redução de 30,9% do PIB para 30,7% do PIB.
Olhando o futuro, contudo, existem duas más notícias. A recuperação de reservas, neste início de ano, deve exigir um aumento da emissão de títulos do governo para evitar uma expansão monetária exagerada. Ou seja, sai o financiamento barato e volta o financiamento caro.
A outra razão de preocupação é que o dinheiro da privatização é temporário, como lembra Giambiagi. Dura mais três ou quatro anos. Desde 96, o governo deveria estar aproveitando essa ponte gerada pelo dinheiro da privatização para reduzir o estoque de dívida líquida e não fazê-lo crescer 1% do PIB, como no ano passado.



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