São Paulo, domingo, 1 de março de 1998

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ELIO GASPARI
Por que os prédios de Sérgio Naya só caem no Brasil?

O desabamento do edifício Palace 2 contém uma história que vai além dos escombros empilhados na Barra da Tijuca. No seu aspecto visível, resume-se a duas situações: o desabamento físico do edifício e a desconstrução material da vida de seus moradores.
Dando à construtora Sersan o benefício da dúvida, a torre de 22 andares pode ter desmoronado por conta de um erro involuntário de seus projetistas. No segundo aspecto, o da desconstrução das vidas dos moradores, o episódio é mais doloroso. Não só pela desgraça em si, mas pela capacidade que os poderosos têm de impor desgraças aos cidadãos em geral. É um triste passeio pelo mundo do poder.
É nas fundações da Sersan que está a outra parte da história. Ela pertence ao deputado Sérgio Naya (PPB-MG), um dos homens mais ricos do Congresso, onde exerce seu terceiro mandato. Um amigo estimou seu patrimônio em US$ 200 milhões. De cada quatro votações importantes, esteve com o governo em três. Com FFHH, com seus antecessores e, certamente, com todos os seus sucessores. Tem a maior frota aérea do Congresso. São três jatos e oito helicópteros. Serviram tanto ao general Golbery do Couto e Silva quanto ao deputado Ulysses Guimarães.
Arruinada a torre do Palace 2 e a vida dos moradores de seus 176 apartamentos, a Sersan pôs a culpa nas vítimas. Primeiro, insinuando que haviam invadido o edifício, quando tinham recebido os apartamentos porque tinham pago por eles. Ocuparam um imóvel sem "habite-se" -com o consentimento da construtora- porque esse é um mau hábito dos serviços de fiscalização dos municípios, acumpliciados com as imobiliárias. A empresa e o poder público sabiam, desde outubro, que o prédio tinha problemas estruturais.
A Sersan também atribuiu a provável causa do desastre a um morador que teria feito obras irregulares em seu apartamento. Se a empresa tivesse ouvido as reclamações judiciais dos moradores, o Palace 2 talvez ainda estivesse de pé. Não ouviu porque resolve seus problemas de outra maneira.
Afora as oito pessoas desaparecidas, 44 famílias perderam tudo, e outras 132 pagarão a conta da implosão. O que custaria à Sersan assegurar-lhes uma nova moradia? Sai caro? Talvez não. Em 1995, o deputado Sérgio Naya emprestou um apartamento de 500 metros quadrados num dos melhores edifícios de Brasília ao seu amigo Mauro Durante, um dos poderosos hóspedes da pensão Juiz de Fora, que ajudou Itamar Franco a governar o Brasil. (Era o apartamento 108 do bloco B da Quadra 116, Asa Sul. Nesse edifício, o deputado ocupa um tríplex.)
Confrontado com a dádiva ofertada ao amigo poderoso, informou que tinha outros 40 amigos morando em apartamentos emprestados: "O Durante é um bobo de Juiz de Fora, um simplório. Ele deixou o governo sem dinheiro nenhum e está reformando a casa dele a duras penas, coitadinho". Se Naya tivesse pelos seus clientes a pena que teve de Durante, suas vítimas já estariam parcialmente indenizadas. Chaves não lhe faltam. Já revelou ser proprietário de 5.000 imóveis em São Paulo, 3.000 na Espanha e 826 nos Estados Unidos.
Naya também é pródigo no empréstimo de dinheiro. Estima-se que já tenha emprestado mais de R$ 500 mil a colegas do Congresso, sem grande preocupação com o retorno.
Toda essa generosidade com o andar de cima tem se revelado turbulenta quando se olha para suas relações com a Viúva. Em 1994, teve um desentendimento com a Receita Federal, por conta de sua declaração de Imposto de Renda. O mesmo deputado que empresta aviões e caraminguás a políticos confunde-se quando chega a hora de pagar o que toma emprestado ao Banco do Brasil. No ano passado, foi rastreado mobilizando suas amizades políticas para evitar que o BB leiloasse um de seus terrenos na Barra da Tijuca, dado como garantia de um empréstimo de R$ 12 milhões.
Enquanto a Sersan culpa as vítimas pelo desastre do Palace 2, Naya se relaciona com o Estado e o governo no mundo da cultura e das comunicações. É dele a Fundação Serafim Naya de Pesquisas Médico-Hospitalares, baseada em Minas Gerais. Desde 1993, ela foi autorizada a montar 11 emissoras educativas no Estado. Acusam-no de fazer uso político dessas concessões, mas ele mesmo respondeu aos repórteres Sylvio Costa e Jayme Brener: "Ajudo mesmo porque as emissoras educativas são hoje um dos principais vetores do desenvolvimento cultural do Estado".
Há no Brasil uma crença segundo a qual é possível formar bolsões de paz numa sociedade cheia de assaltantes e misérias. Esses bolsões teriam como símbolo os edifícios gradeados, os condomínios e até mesmo bairros inteiros de algumas cidades. O caso do Palace 2 mostra que o problema não está no morro em frente ou no garoto que pára diante do carro. Essas questões são dramáticas, mas não são causas, e sim consequências.
A jibóia que vive no andar de cima da sociedade brasileira digere qualquer coisa. Traça ditadura militar com a mesma naturalidade que aprova os enredos do tucanato. Faz isso emprestando dinheiro, apartamentos e aviões a quem manda, e não pagando o que toma emprestado à Viúva. Vende edifícios precários e vai discutir a qualidade da estrutura do Palace 2 na Justiça, em vez de tratá-la como questão de engenharia civil.
Quando a casa cai, a culpa é dos moradores, assim como a culpa pelas favelas seria dos miseráveis, e o desemprego, consequência da má qualidade da mão-de-obra nacional.
Esse tipo de mentalidade reflete um estratagema de poder que sobrevive pela falta de combate. As vítimas do Palace 2 podem ensinar uma lição ao andar de cima. Basta que não desistam, que peçam ajuda e que exponham quem quiser iludi-los.
O conglomerado imobiliário de Naya estende-se aos Estados Unidos. Há dois anos, estava construindo quatro torres na principal avenida de Orlando, na Florida. A prefeitura pegou-o infringindo as normas e embargou-lhe a obra. Em Orlando, seus prédios não caem.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ela socorre os esbanjadores do verbo. Decidiu conceder mais uma de suas bolsas de estudo à diretoria do Banco Matrix pela seguinte pérola incrustada em seu balanço:
-A incessante busca por retornos competitivos e positivos, linha mestra de atuação do banco no mercado, faz parte da missão de cada profissional do grupo, o que explica o elevado nível de cumplicidade e parceria que fortemente buscamos manter com nossos investidores.
Madame ficou com um entendimento e uma dúvida. Entendeu que quiseram dizer que o banco busca lucros, mas confundiu-se com o uso das expressões "cumplicidade e parceria". Isso porque, em português (Aurélio), a palavra cumplicidade tem dois significados. Um, pouco usado, é precisamente o de sociedade, parceria. O outro, de consumo geral, designa a participação em delito ou crime. Em inglês (Webster), ocorre o contrário. O primeiro significado da palavra designa parceria.
Se o Matrix assume com os números os mesmos riscos que toma com os sinônimos, ou se globaliza suas operações financeiras sem saber que língua está falando, Madame teme pelo seu desempenho.

Cavalos de Parada

FFHH resgatou uma velha expressão do vocabulário administrativo brasileiro: "Cavalo de Parada".
Esse é o nome que ele dá a pessoas de sua equipe que aparecem na imprensa e nas solenidades com grande desenvoltura, sem contrapartida na hora de ajudar a carregar o piano.

Tasso Jereissati, o mensageiro do sufoco

O governador Tasso Jereissati desce em Brasília nesta semana com um pequeno retrato do estrago que a taxa de juros está fazendo na economia do país. A maior cadeia de lojas de varejo e a maior revendedora de pneus do Ceará estão em concordata. Os inadimplentes da rede comercial dobraram, chegando a 400 mil. Os contribuintes em atraso com seus impostos chegaram a índices inéditos, e, pela primeira vez em 12 anos, a arrecadação de ICMS do Estado caiu (-6%).
Tasso tenta conter a inadimplência tributária estudando a possibilidade de parcelamento temporário do ICMS e uma anistia parcial para os devedores do Fisco. Pretende abater e parcelar multas, parcelando e cobrando o principal.
Sua segunda linha de combate será junto ao BNDES, com quem negociará uma linha de crédito para capital de giro.
Sua circulação por Brasília terá pelo menos uma vantagem: ninguém poderá chamá-lo de catastrofista. No ano passado, no meio de uma das muitas crises provocadas por declarações do ministro Sérgio Motta, Tasso dizia que o problema não estava no verbo federal, mas na crise das Polícias Militares. Ninguém lhe deu atenção, pois é muito mais fácil lidar com uma crise do Serjão do que enfrentar milhares de PMs rebelados, nas ruas. Quando a coisa ficou feia, foi Tasso quem teve de baixar o chanfalho nos policiais insurretos.

Um novo Tom Peters: contrate loucos

Saiu nos Estados Unidos o novo livro de Tom Peters, o grande guru da revolução empresarial, autor de "Em Busca da Excelência", a obra mais bem-sucedida no gênero, com 5 milhões de exemplares vendidos desde 1982. Chama-se "O Círculo da Inovação" (The Circle of Innovation) e radicaliza a luta de Peters contra o suposto racionalismo empresarial. Desta vez ele pegou fundo. Endiabrado, parece-se mais com uma colagem de maluco do que com um livro. Boa parte das 518 páginas estão recheadas com o acervo de sua coleção de 30 mil frases dos outros.
Peters continua exercitando sua capacidade de chocar. Eis algumas de suas recomendações, livremente associadas a personagens brasileiros (sem que ele tenha qualquer responsabilidade nisso): É mais fácil matar uma organização do que mudá-la. Destrua, antes que os seus competidores o façam. Canibalize-se rápido, agora. (Para o cartel de empresas de transporte aéreo.) A sinergia é um engodo num engano. (Para os reengenheiros que ainda trabalham com os conceitos de Peters nos anos 80.) Contrate loucos. (Para FFHH.) Se você tem duas pessoas que pensam igual, mande uma embora. (Para a ekipekonômica.) Cortar postos de trabalho é um serviço duro. Criá-los é coisa de gênio. (Para a Volkswagen, cuja experiência brasileira Peters acha que é um sucesso mundial.) Em última analise, você não pode continuar reduzindo seus custos e crescer ao mesmo tempo. (Para a Light.) O fracasso é o único precursor do sucesso. (Para o ministro da Saúde, seja quem for.) Procure conversar com técnicos de futebol e com maestros. Eles sabem o que é liderar. Não há hipótese de eles fazerem melhor que as pessoas que dirigem. "Eles não tem alternativa senão desenvolver os outros." (Para quem não gosta de Zagallo.) A opinião dos clientes é um retrovisor. Lidere-os. Quase todos os produtos que revolucionaram o mercado foram rejeitados pelo mercado durante anos, até décadas. Exemplos: as minivans da Chrysler, os aparelhos de vídeo, as máquinas de fax, o Federal Express, os telefones celulares e a CNN. (Para Luiz Inácio Lula da Silva.) Quando você acha que não tem poder, você não tem poder. (Para o PSDB.)

Entrevista
Topo Gigio

(Juno Rodrigues Silva, 55 anos, ex-metalúrgico da Karmann-Ghia. Demitido em 1978, abriu o restaurante que leva o seu apelido, no bairro Assunção, em São Bernardo do Campo. Fundador do PT.)
-O senhor foi um dos primeiros metalúrgicos a perder o emprego e ter de abrir um restaurante. Como dono de restaurante, como o senhor vê o desemprego em São Bernardo?
-Eu abri um restaurante, mas os desempregados de hoje estão abrindo carrinho de cachorro-quente. O metalúrgico perde o emprego e não consegue trabalho, por causa da carteira. Eu vendia 200 refeições por dia, estou vendendo 130. Tem colega que vinha aqui e pedia minha chuleta, que custa R$ 13,00. Hoje pedem o filé de frango, que sai por R$ 7, ou o comercial, que é metade disso. Mas para lhe contar uma novidade, o que caiu mesmo foi a venda de bebida, por causa do Código Nacional de Trânsito.
-A crise de hoje não é consequência dos privilégios da sua categoria, firmados na década de 80?
-Não. O trabalhador se adapta. Os nisseis foram trabalhar no Japão e se deram bem. Quem atrasou o Brasil foram o governo e os empresários que não se aperfeiçoaram. Minha filha é psicóloga e trabalha aqui no restaurante. Outro dia o Tito Costa, prefeito de São Bernardo, me disse que aqui ela ganha mais.
-Se o senhor tivesse continuado sua militância, o que estaria fazendo? É possível o senhor votar em FFHH?
-Estaria negociando. Não cairia na conversa desses radicais que te ferram e somem. Nosso movimento era diferente. Tinha reivindicação, mas tinha também a vontade de derrubar a ditadura. Hoje temos uma democracia. O trabalhador deve assegurar o emprego. Devemos defender o valor do real, sem acreditar em milagre. O arroz e o feijão quase dobraram de preço. O IPTU subiu 400%. O telefone disparou. O que é do governo sobe, enquanto os policiais estão morando em favelas. As coisas não estão como o governo diz. Meu voto é do Lula para qualquer coisa. É ele ou nada.



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